Wednesday, September 19, 2007

...And the oak tree and the cypress grow not in each other's shadow

Antes de mais tenho que dizer que não gosto de casamentos (as minhas desculpas a eventuais leitores em cujos casamentos eu tenha estado).
As minhas objecções a este fenómeno sócio-religioso são sobretudo ideológicas, mas o lado prático também não ajuda (detesto ter que vestir fato e gravata para estar uma tarde inteira a comer sentado) - embora frequentemente aceite participar em casamentos por consideração por (pelo menos) um dos noivos.

Houve no entanto um casamento a que fui e que me impressionou (pela positiva) - no final cheguei a ter pena de ter acabado. Foi um casamento de extremo bom gosto e que chegou inclusive a comover-me - foi algo que me marcou. Tudo tinha sido escolhido e preparado com um cuidado e atenção que me fez pensar.

A meio desse casamento um dos amigos do noivo dedicou aos noivos um poema que me fascinou. O poeta chama-se Khalil Gibran - um libanês/americano que o escreveu por volta de 1920. Raramente senti as minhas ideias tão bem expostas por outra pessoa.
Este poema insere-se numa série de poemas (alguns deles muito bons) que ele escreveu chamados "o profeta" e que podem encontrar aqui: http://leb.net/gibran/works/prophet/prophet.html


Marriage


Then Almitra spoke again and said, "And what of Marriage, master?"
And he answered saying:
You were born together, and together you shall be forevermore.
You shall be together when white wings of death scatter your days.
Aye, you shall be together even in the silent memory of God.
But let there be spaces in your togetherness,
And let the winds of the heavens dance between you.
Love one another but make not a bond of love:
Let it rather be a moving sea between the shores of your souls.
Fill each other's cup but drink not from one cup.
Give one another of your bread but eat not from the same loaf.
Sing and dance together and be joyous, but let each one of you be alone,
Even as the strings of a lute are alone though they quiver with the same music.
Give your hearts, but not into each other's keeping.
For only the hand of Life can contain your hearts.
And stand together, yet not too near together:
For the pillars of the temple stand apart,
And the oak tree and the cypress grow not in each other's shadow.

Thursday, September 13, 2007

Um torneio diferente

Certa vez, depois de um jogo de ténis de mesa, dei boleia a um dos meus adversários.

É um homem já nos seus 60, um pouco falador demais (penso que muita a gente no meio o vê como um pouco chato). Parece mais velho - as mãos tremem-lhe, gagueja um pouco e fala com a boca à banda, ao estilo de quem já sobreviveu a uma valente trombose.
Surpreendentemente o estilo de jogo dele é jovem - joga ao ataque, num estilo de jogo aberto, enérgico e fisicamente exigente. As hesitações que se notam na fala não transparecem durante o jogo - parece que se transfigura.

Assim que acaba o jogo, a cara volta a ficar esmorecida, os ombros rebaixam-se e ele diz-me: "tu-tu-tuuuuu ga-ganhaste-me, mmmmaaasss podias ter-ter-ter-ter jogado melhor!", ao que ele começa a explicar-me os meus erros (com alguma perspicácia, há-que o dizer).
Simpatizo com ele desde que o vi pela primeira vez, há uns dois anos.

Quando o estou a deixar à porta de casa, ele convida-me para um torneio no dia seguinte. É um torneio no clube do bairro dele, onde segundo ele iriam vários jogadores ao nosso nível - e sobretudo o filho dele, por quem é evidente que ele nutre um orgulho que ultrapassa o meramente paternal para atingir a quase idolatria.
Decido aceitar.

No dia seguinte chego cedo. O clube acaba por ser nas traseiras de uma tasca no meio da tapada da ajuda. No salão de baile carregado de fitas e outros adereços festivos - e onde estão (temporariamente) as duas mesas de jogo, encontra-se também um velhote orgulhosamente desdentado, que me sorri e pergunta o nome para ele conferir na curta lista de jogadores. No ar ressoa música pimba em altos berros - começo a perceber que o torneio não é bem o que eu esperava...

Entretanto chega o meu anfitrião - vem chateado porque alguns dos jogadores que ele ansiava para garantir um bom nível afinal não vêm. Não sei porquê, acho que é comum acontecer-lhe estas desistências de última hora...
Os outros adversários começam a chegar - alguns miúdos, e dois velhotes - um deles com boné de pala e tudo, que nunca chegou a tirar. Também chega um homem que é tratado como o "presidente", acompanhado por uma mulher que parecia ir vestida para uma festa. Percebo então que o torneio é o torneio inaugural daquele espaço, fazendo parte das festividades. O presidente é o presidente da junta de freguesia, que foi participar na festa. Quando o meu anfitrião me pede para usar o uniforme da equipa da casa percebo que é uma festa particular e sinto-me a mais, mas decido ser camarada e fazer a minha parte para ajudar à festa.
Entretanto já chegou o filho pródigo. Afinal até já o conheço de vista de alguns torneios - é um jogador bastante acima do meu nível (ou do pai dele), que no entanto tem um ar de quem tem um problema com o nariz, e que tem sempre que o manter virado para cima senão ainda cai - o que o obriga a olhar para os outros de cima para baixo e à distância. Ele também parece ficar um bocado desconcertado com o torneio - provavelmente veio tão enganado como eu.

Ele começa a falar comigo e finalmente faz a pergunta que o incomoda:

"O que é que estás a fazer aqui?",

mas que na realidade soou mais a:

"Eu tenho que vir a estas estopadas porque ele é o meu pai, mas porque é que raio tu estás aqui a aturar isto?"

A atitude dele incomoda-me um bocado, e começo a temer (justificadamente, como vim a comprovar) pelo pai dele.

Entretanto começa o torneio. Calha-me jogar contra os dois velhotes - um deles jogou sempre com o telemóvel no cinto das calças, o outro nunca tirou o seu boné. Ainda consigo divertir-me bastante - acho muita piada a esta componente social do ténis de mesa e não me incomoda nada jogar contra pessoas francamente mais fracas que eu.

A certa altura chega o jogo que eu temia: pai contra filho.
É com muita tristeza que vejo o filho, na altivez do seu nariz empinado e franzido de quem se acha superior a um torneio daqueles a deixar o pai ganhar de uma forma demasiado evidente. O velhote (que não é parvo) fica bastante desgostado no final - o outro nem sequer tentou dar-lhe luta, e a vitória saíu-lhe imerecida. Penso ler na cara do pai a luta entre dois pensamentos antagónicos:
- ou o filho afinal não joga assim tão bem como ele sempre idealizou
- ou o filho está a fazer um frete e não quer estar ali a jogar com o pai~

Entretanto ele vem ter comigo a desculpar o filho dele - "não está num bom dia". Entristece-me pensar quantas vezes é que o filho fará um esforço por estar num bom dia de forma a poder melhorar o dia do pai. Fiquei sinceramente triste por ver este pai que partilha o hobby do filho a ver negado o prazer de o praticar em família com o jogador que mais admira. Achei uma falta de respeito tal que tive vontade de gritar com este filho de coração empedernido, que não mostra o mínimo sinal de se arrepender perante o ar triste do pai.

Quando este jogo acaba fico a pensar no jogo seguinte. É a final entre mim e o pai amargurado, e eu não sei o que fazer. Se jogar para ganhar, provavelmente ganho - mas não quero ficar com a taça daquela festa que não me pertence. Se jogar para perder, corro o risco de tornar ainda mais amarga a vitória do pai.
Decido então jogar para o espectáculo, com movimentos mais difíceis, amplos e rápidos - mas bastante menos eficientes. Penso que deve ser o suficiente para me garantir uma derrota bonita, ao mesmo tempo que agrada ao escasso público e é mais condizente com o espírito de festa (supostamente) reinante.
É um estilo de jogo que me dá particular prazer jogar, e até encaixa bem no estilo energético do meu adversário pelo que consigo manter uma actuação muito convicente, e perder por uma unha negra sem nunca realmente ter que fazer por perder - apenas fiz uma má opção táctica, o que é bastante mais convicente.
No final todos saem a ganhar - o meu adversário que ganhou um belo jogo, o público que ficou satisfeito com um jogo bonito e mexido - à altura de uma final, e eu que me posso deixar afundar num honroso e de certa forma relativamente obscuro segundo lugar.
A minha única fonte de tristeza no final foi pensar que aquele filho ingrato não deve ter sequer percebido a diferença entre a vitória do meu adversário e a do pai dele. Também não sou eu quem lhe vai ensinar - afinal, um bom pai teve ele e não me parece que lhe tenha dado muita atenção...