Tuesday, April 24, 2007
O (meu) objectivo de vida
Por vezes faço a esta pergunta aos meus amigos. Normalmente não a faço abertamente - acho que é uma pergunta algo intimidatória e se a fizer de uma forma demasiadamente frontal arrisco-me a ter uma resposta tendenciosa, medrosa ou simplesmente politicamente correcta.
Não me lembro de ma terem feito, o que é uma pena (aliás, regra geral acho que as pessoas me fazem poucas perguntas, mas isso já é outro tópico) - embora talvez me façam a mim o mesmo que faço aos outros e me façam a pergunta indirectamente, o que não deixaria de ser justo.
Ao longo da minha vida lembro-me de ter evoluído a resposta a esta pergunta. Partes da resposta mantiveram-se, outra partes mudaram bastante. Algumas ficaram mais concretas, outras mais vagas. Acredito que no futuro ainda venham a mudar ou a evoluir mais vezes.
Hoje em dia existem essencialmente quatro coisas que eu tento considerar como os objectivos fundamentais a cumprir ou como linhas condutoras para me guiarem:
1) Aprender
Lembro-me perfeitamente de na minha adolescência já pensar que este é (ou deve ser) um dos principais objectivos a perseguir. Felizmente vivo numa época privilegiada, em que o acesso à informação (e também à desinformação) está muito facilitado.Não há muitas coisas me dêm mais gozo do que aprender, e tento sempre encontrar uma componente de aprendizagem em tudo o que faço. Reciprocamente, considero que ensinar os outros é uma tarefa particularmente nobre e tenho muito respeito por um bom professor (e muito má opinião de um mau).
2) Melhorar
Quando tive contacto com a filosofia budista apercebi-me da beleza subjacente a pensar que cada vida é um passo para o nirvana - e que o objectivo final de cada encarnação é essencialmente (tentar) dar mais um pequeno passo para a perfeição. Mesmo que não hajam outras encarnações, espero no final olhar para trás e pensar que ao menos consegui melhorar-me ao longo desta.Conheço alguns dos meus defeitos e esforço-me por os ultrapassar. Nem sempre consigo e duvido muito vir a morrer imaculado, mas existe um esforço consciente de identificar e ultrapassar as limitações - por pequenas que sejam. É por esta razão que dou tanta importância a que me digam o que pensam e em que é que posso melhorar - e por isso é que considero um acto de amizade e particularmente importante informar os outros sobre aquilo que considero poder ser melhorado.
3) Respeitar os outros
Houve uma altura em que eu pensava que o importante era "ajudar" em vez de "respeitar". Hoje sou mais modesto neste objectivo - basicamente acho que nem sempre é possível (e por vezes sequer acertado) ajudar, mas que é sempre possível respeitar. Hoje em dia considero o "ajudar" como um nice to have, mas acredito que é algo que ainda pode vir a mudar em mim ao longo da vida. O mais importante neste ponto é o seguinte: nunca tentar cumprir um dos outros objectivos à custa deste.
4) Experimentar e aproveitar a vida
É que a verdade é que não sei se vou ter oportunidade de por aqui andar outra vez - e não queria chegar ao fim a pensar que há coisas importantes que nunca hei-de fazer.Considero este ponto extremamente importante para pôr em perspectiva as "obrigações". Acho que existem muitas pessoas que não dão a devida importância a este ponto - pessoas que desperdiçam a vida sem perceber que a única coisa que realmente tem valor é o tempo que perdem. Entristece-me um pouco ver pessoas a fazê-lo, mas é precisamente o tipo de situações em que acho que devo respeitar os outros e não ajudá-los a todo o custo - afinal, nem toda a gente tem os mesmos objectivos que eu.
Consigo imaginar algumas pessoas a dizerem que estou a fazer batota, que nestes pontos posso acrescentar os objectivos concretos que eu quiser.A verdade é que nunca procurei glória, fama ou riqueza. Se calhar devido a não me faltar nada em termos materiais, posso ter outros objectivos de vida - se calhar se eu passasse fome tudo o que queria da vida seria um belo jantar.Bem - a verdade é que não passo fome, e que já tenho toda a glória fama e riqueza que considero precisar. Considero-me um afortunado (a minha mãe costuma dizer-me que "nasci com o cú virado para a lua") a quem não falta nada a não ser ambição em demasia - até nisso tive sorte!
Por outro lado duvido que algum dia venha a saber tudo ou a ser perfeito, pelo que sei que estes objectivos não são algo de efémero e ultrapassável. Por outro lado, o facto de possuir objectivos tão bem traçados (e pensados) ajuda-me a moldar o meu comportamento e a tomar decisões importantes que acho que seriam muito mais complicadas de tomar caso não possuísse esta linha condutora.
Monday, April 16, 2007
As prendas da minha vida (2)
Quando eu andava na faculdade a minha mãe ofereceu-me o meu primeiro carro. Era o carro em que ela andava - um citroen Ax já com uns 10 anos. Para mim era perfeito - não só pelo valor simbólico (a liberdade e independência de ter um carro) como pelo valor prático.
Depois de alguns anos o carro começou a dar alguns problemas. Quando algo acontecia costumava levá-lo a um mecânico que vivia nos montes perto de minha casa para mo arranjar.
Via-se que era uma pessoa que passava algumas necessidades - tinha uma casa com uma garagem (ou melhor, um casebre) onde arranjava carros. O quintal sempre juncado de peças velhas e restos ferrugentos. Ele não tinha um dedo de uma mão - acho que era da direita - estava já um pouco desdentado, mas via-se que sabia (e gostava) do ofício.
Quando lhe aparecia com o carro dizia-me uma data e um preço - e normalmente cumpria-os (as datas nem sempre, mas o preço sim). Avisava-me dos problemas que eu ia ter a seguir, e normalmente acertava. Uma vez cobrou-me uma ninharia por uma grande reparação em que teve que tirar o motor fora e voltar a pôr, outra foi comigo buscar o carro até ao sítio onde tinha ficado empanado.
Eu costumava levar a bicicleta no porta-bagagens para voltar para casa. Ele achava piada, dizia que quando era mais novo também costumava subir e descer os montes de bicicleta - embora na altura ele achasse que já não era capaz, a idade não perdoa.
A certa altura ofereceram-me um carro novo na empresa onde trabalhava e percebi que estava na hora de me ver livre do carro. Levei-o à casa dos montes pela última vez - a bicicleta no porta-bagagem - cheguei lá e ofereci-lho - ele já me tinha dito que gostaria de oferecer um carro como aquele à filha dele. Lembro-me bem dessa conversa e do ar que ele dez quando percebeu que eu não queria nada em troca. Não me lembro de alguma outra vez ter tido tanto prazer a oferecer algo a alguém...
As prendas da minha vida (1)
Gosto muito de ouvir e de contar estas pequenas histórias e já vai sendo altura de contar algumas por aqui.
Há algum tempo atrás recebi uma prenda que gostei particularmente de receber - gostei porque não estava à espera, porque era algo que eu gostei de receber/usar e pela forma original como me foi oferecida. Comecei então a pensar um pouco na minha posição sobre as prendas:
Por princípio não gosto de receber ou de oferecer prendas pelos anos ou pelo natal - embora goste de oferecer coisas que sei que as pessoas precisam/querem. Curiosamente, apesar de esta aversão natural sei precisamente quais são as prendas que mais gostei de dar e receber, bem como as que gostei menos.
Tinha eu uns 12 ou 13 anos e estava a passar uma noite de natal aparentemente normal na companhia da minha família mais próxima. Hoje é fácil olhar para trás e perceber a ansiedade reinante por toda a casa, mas na altura essa diferença estava a passar-me completamente ao lado. De repente, pelas 22 horas tocam à porta. Achei bastante estranho tocarem à porta àquela hora - e não percebi logo que a minha mãe e a minha avó correram rapidamente para a porta enquanto me enxotavam para outro lado. Enquanto passava - curioso - pela porta em direcção ao meu quarto consegui vislumbrar alguns homens a carregarem penosamente um grande volume negro pelas escadas acima.
Pouco depois o piano estava na sala. Os pobres carregadores suavam estafados (mais tarde contaram-me que eles juraram nunca mais fazer uma entrega daquelas - sobretudo na noite de natal). Ainda hoje estou para saber como é que a minha avó conseguiu convencê-los a fazerem aquilo naquela noite.Apesar de cheio de vontade de passar os dedos pelas teclas acho que não fui capaz de tocar naquela noite, apesar dos pedidos insistentes de toda a família.
Por acaso e uma coisa de que me arrependo: arrependo-me por tantas vezes não ter tocado quando a minha avó me pediu...
Wednesday, April 11, 2007
Introspecção - pago para não me chatear
Normalmente não gosto de me chatear com assuntos que considero não merecerem a minha atenção. Isto acontece em situações tão diversas como ser mal servido num restaurante ou defrontar-me com uma situação em que não concorde com algo que está a acontecer.
O que faço normalmente (quase sempre) é evitar o problema o mais depressa possível para sair da situação assim que puder. O meu interesse não é normalmente resolver o problema, mas evitá-lo - e se puder pagar a minha saída da situação, então ainda melhor: o dinheiro vale bem menos para mim que o meu conforto.
Este comportamento tem algumas vantagens - minimiza o meu tempo de exposição ao problema, permite-me avançar em frente mais depressa e faz com que eu seja uma pessoa relativamente fácil de lidar - acho que normalmente não sou visto como uma pessoa problemática porque na realidade não "crio problemas" em situações já por si delicadas.
Por outro lado esta atitude torna-me "pouco social", introvertido e egoísta - frequentemente um problema não resolvido continua a existir (se não me queixar do mau serviço num restaurante é provável que esse mau serviço seja mantido), pelo que no fundo o que estou a fazer é a deixar o problema para que outro que venha a seguir o resolva. Por outro lado pode acontecer que a(s) pessoa(s) que causa(m) o problema nem sequer se tenham apercebido que existe um problema, pelo que não reagir vai prolongar o estado das coisas.
É curioso notar a diferença de comportamento quando estou com amigos (ou mais especificamente com pessoas em quem confio) - a eles não lhes poupo as críticas e frequentemente dou-me a grandes trabalhos para lhes chamar a atenção de situações que não gosto ou em que simplesmente acho que podem fazer melhor. Frequentemente comento que só critico os amigos - e que se o faço é porque gosto deles, o que só demonstra a mim mesmo o quão negativa é a minha atitude para o resto da sociedade.
A diferença de postura deve-se essencialmente ao seguinte: tenho alguma dificuldade em lidar com pessoas que não conheço - normalmente sou tímido face a desconhecidos, timidez essa que me dificulta ser aberto o suficiente para ser mais responsivo, sobretudo se for necessário chamar a atenção ou reclamar. Acabo por achar que apenas algumas pessoas merecem (sempre a meritocracia) que faça o esforço de ultrapassar essa "barreira de conforto" de forma a tomar uma atitude que para mim é desconfortável.
Gostava de mudar - gostava de ser mais didático neste tipo de situações (embora tentando manter um equilíbrio em relação ao meu conforto). Acho que sei por onde começar - resta saber se sou capaz de ultrapassar algumas características muito entranhadas, nomeadamente a minha introversão. Vamos ver...
Wednesday, April 4, 2007
Introspecção - O "interrogatório"
Até ao final da adolescência passei uma fase de isolamento em relação ao mundo exterior - as coisas passavam-me ao lado sem que me apercebesse sequer que existiam e as pessoas eram-me estranhas e distantes (embora eu não o soubesse na altura).Durante os tempos de universidade comecei a aperceber-me que esse mundo todo me estava a passar ao lado e comecei a tomar mais atenção. Mesmo assim limitava-me a apreender e perceber o que acontecia - não PROCURAVA activamente DESCOBRIR o que acontecia.
De há alguns anos para cá mudei de novo de atitude: hoje tento influenciar o que se passa à minha volta, tento fazer coisas acontecer - tornei-me interventivo e activo em vez de reactivo na minha percepção do mundo exterior.
A situação em que noto mais esta alteração é na forma como converso com as pessoas - hoje em dia é frequente acusarem-me de conduzir verdadeiros interrogatórios nas minhas conversas com os meus amigos.
Existem várias razões para agir desta forma:
- O meu "sistema" de avaliação das pessoas só funciona se eu as conhecer bem
- Acho que é importante saber o que se passa com os meus amigos para os ajudar, apoiar ou simplesmente acompanhar
- Puro interesse e curiosidade (voyeurismo?) - simplesmente gosto de estudar as pessoas e o ambiente que me rodeia.
O método:
O primeiro passo numa conversa é tentar perceber se o interlocutor é alguém que quer ou não falar. Se não quiser falar o que geralmente faço é começar a falar de alguma coisa QUE NÃO a pessoa em causa (frequentemente de mim, numa tentativa de pôr a pessoa mais à vontade). Eventualmente acontece tocar num assunto que interesse à outra pessoa, o que a encorajará a participar mais activamente na conversa.
No caso de pessoas que já conheço (e que me conhecem) melhor e com quem já tenho mais à vontade costumo fazer perguntas directas. Normalmente o que faço é começar a fazer perguntas genéricas tipo "como é que vai a vida?" - se a pessoa tiver algo que queira contar vai aproveitar a oportunidade para falar do que lhe interessa, o que normalmente conduz às conversas mais interessantes.Muitas vezes as pessoas não começam a falar com perguntas tão genéricas - sobretudo se forem tímidas ou estiverem indecisas ou desconfiadas. Nesses casos começo a reduzir o âmbito da pergunta, tentando orientar a conversa para os assuntos que me interessam mais ou que "sinto" que interessam mais à outra pessoa, por exemplo:"a vida está boa? Então e o trabalho?""O trabalho está bom? Então e aquele problema que tu tinhas no outro dia?"
Eventualmente chega uma altura em que ou esgotei a paciência do meu interlocutor ou em que finalmente existe um assunto suficientemente específico para que ele(a) possa começar a falar à vontade sem se sentir constrangida (se a paciência se esgotar começo eu a falar para encorajar a conversa ou calo-me de vez - possivelmente amuado).
A partir do momento em que o interlocutor está a falar começo a escutar (muito) atentamente, e a fazer pequenas perguntas ou observações que permitam manter o fluxo da conversa, orientá-la para assuntos em que eu esteja mais interessado e simultaneamente encorajar a pessoa a continuar a falar.
É frequente chegar ao fim da conversa e a pessoa concluir que só ela falou - sou por vezes acusado de falar pouco e de não responder a perguntas. Não acho que isto seja correcto - na realidade o que acontece é que as pessoas não aproveitam as oportunidades que têm para me fazer elas próprias perguntas - nunca percebi se por falta de vontade ou de coragem, timidez, ou se simplesmente estão demasiado embrenhadas nas suas próprioas palavras.
Inclusivamente, quando (raramente) noto que estou a ser alvo de estratégias semelhantes normalmente facilito e deixo-me levar pela minha verborreia - afinal, sempre é uma maneira de estudar outras "técnicas". Por outro lado (quase) nunca deixo uma pergunta por responder e frequentemente encorajo as pessoas a fazerem-me perguntas de volta de forma a não se sentirem "abusadas".
Sigo este procedimento com consciência que o estou a fazer, mas as perguntas saem-me já de uma forma natural - hoje em dia não tenho necessariamente que pensar na pergunta seguinte (embora por vezes tente descobrir a melhor forma de encadear assuntos pouco relacionados sem quebrar a dinâmica da conversa). A partir do momento que se criou a dinâmica é inclusive frequente "desligar" o raciocínio e usar mais os instintos para tentar aperceber-me do estado de espírito das pessoas.
É preciso dizer que não faço isto sempre - apenas quando estou sozinho com alguém (que considere interessante) ou num grupo pequeno em que as pessoas já se conheçam todas bem.
Um grupo maior com pessoas que se conhecem mal tem uma dinâmica muito diferente - frequentemente as pessoas sentem-se intimidadas e pouco à vontade para falar para uma audiência desconhecida.Nestas situações as perguntas mais directas são particularmente nefastas porque obrigam o visado a responder ou a dizer que não quer responder, o que é inconscientemente entendido por muita gente como fraqueza ou má vontade. Assim sendo tento puxar assuntos mais gerais e esperar que as pessoas se decidam a contribuir voluntariamente. Quando sou a pessoa no grupo que toda a gente conhece ofereço-me por vezes como objecto de discussão, embora prefira não ter um papel tão central.Estas conversas são mais difíceis de conduzir (controlar?) embora seja possível fazê-lo usando alturas críticas da conversa para fazer pequenos desvios ou pôr novas perguntas relacionadas e encadeadas. Por outro lado existem assuntos que sei que são melindrosos para algumas pessoas - e enquanto que numa conversa a sós com alguém é fácil lembrar-me disso e evitar esses assuntos, num grupo maior nem sempre consigo ter isso presente - o que já me provocou algumas tiradas menos felizes da minha parte.