Monday, April 16, 2007

As prendas da minha vida (2)

Quando eu andava na faculdade a minha mãe ofereceu-me o meu primeiro carro. Era o carro em que ela andava - um citroen Ax já com uns 10 anos. Para mim era perfeito - não só pelo valor simbólico (a liberdade e independência de ter um carro) como pelo valor prático.

Depois de alguns anos o carro começou a dar alguns problemas. Quando algo acontecia costumava levá-lo a um mecânico que vivia nos montes perto de minha casa para mo arranjar.
Via-se que era uma pessoa que passava algumas necessidades - tinha uma casa com uma garagem (ou melhor, um casebre) onde arranjava carros. O quintal sempre juncado de peças velhas e restos ferrugentos. Ele não tinha um dedo de uma mão - acho que era da direita - estava já um pouco desdentado, mas via-se que sabia (e gostava) do ofício.

Quando lhe aparecia com o carro dizia-me uma data e um preço - e normalmente cumpria-os (as datas nem sempre, mas o preço sim). Avisava-me dos problemas que eu ia ter a seguir, e normalmente acertava. Uma vez cobrou-me uma ninharia por uma grande reparação em que teve que tirar o motor fora e voltar a pôr, outra foi comigo buscar o carro até ao sítio onde tinha ficado empanado.
Eu costumava levar a bicicleta no porta-bagagens para voltar para casa. Ele achava piada, dizia que quando era mais novo também costumava subir e descer os montes de bicicleta - embora na altura ele achasse que já não era capaz, a idade não perdoa.

A certa altura ofereceram-me um carro novo na empresa onde trabalhava e percebi que estava na hora de me ver livre do carro. Levei-o à casa dos montes pela última vez - a bicicleta no porta-bagagem - cheguei lá e ofereci-lho - ele já me tinha dito que gostaria de oferecer um carro como aquele à filha dele. Lembro-me bem dessa conversa e do ar que ele dez quando percebeu que eu não queria nada em troca. Não me lembro de alguma outra vez ter tido tanto prazer a oferecer algo a alguém...


1 comment:

Anonymous said...

Uma historia que nao surpreende na tua personalidade mas que gostei bastante de conhecer. Um grande coração. Luis