Uma frase que ouço regularmente é esta: "ai, se eu ganhasse a lotaria/euromilhões/montes de dinheiro...".
Quando é dita por alguém com quem eu tenha uma relação suficientemente boa para manifestar a minha opinião, geralmente segue-se uma conversa que me soa sempre familiar.
Há várias razões que me levam a detestar esta frase. Em primeiro lugar (tal como já escrevi num post anterior) não acredito em jogos de sorte ou em ganhar dinheiro (ou seja o que for) imerecidamente. Acredito que para ter valor uma coisa deve ser conquistada e não simplesmente cair-nos no colo.
Só por si isto seria razão suficiente para que eu reagisse mal a esta frase - no entanto existem outras razões para não gostar desta postura.
Considero que dizer que se quer tudo em troco de nada e de graça é uma fuga ao mundo real e à forma como as coisas devem funcionar. Quem me diz que queria em dois dias ganhar todo o dinheiro que precisa para o resto da vida está-me a passar uma mensagem de que:
a) Não gosta do que faz
b) Não quer trabalhar para viver
c) Acha que todos os seus problemas (ou pelo menos os principais) se resolvem com dinheiro
d) Acha que ter muito dinheiro é bom e que não ter é mau
Geralmente digo isto às pessoas (é o segundo passo da conversa). Nesta altura as pessoas começam a defender-se - geralmente dizem-me que até gostam do que fazem e que querem trabalhar para viver, mas sem precisar do dinheiro (para que possam mudar de emprego à vontade se assim o quiserem).
Geralmente dizem-me que o dinheiro não resolve os problemas todos, mas resolve os principais - e frequentemente dizem que ter muito dinheiro não é bom, mas antes que ter muito dinheiro é MUITO bom - simplesmente porque sim. Até parece que a felicidade está directamente indexada ao dinheiro - parece ser um princípio demasiadamente enraizado na nossa cultura.
Quando consigo tento mostrar as inconsistências de alguém que até gosta e quer trabalhar, mas apenas quando e onde quer (até parece que trabalhar é o mesmo que ver televisão). No entanto normalmente não demora muito tempo até a conversa passar para a fase seguinte.
A fase seguinte (e frequentemente final) desta conversa é quando as pessoas me perguntam o que é que eu faria se ganhasse este dinheiro todo. Quando respondo que isso seria muito difícil porque não jogo, as pessoas começam a inventar cenários em que o dinheiro se materializa nos meus braços de forma a obrigar-me a responder.
Quando digo que depende muito da forma como esse dinheiro me fosse parar às mãos, mas que provavelmente não aceitaria frequentemente sou gozado e descreditado. No meu ver esse dinheiro seria na melhor das hipóteses imerecido e na pior ilegal, pelo que dificilmente quereria associar-me a essa situação.
Esta fase da conversa começa normalmente a ser um pouco agastante para mim, porque nesta altura estou a dizer que a situação é virtualmente impossível de acontecer e mesmo que se acontecesse provavelmente eu não aceitaria o prémio a menos que achasse que o merecesse - e a resposta que ouço é incredulidade - alguém que me faz uma pergunta perfeitamente irreal e que não aceita a minha resposta porque a acha irreal...
Frequentemente as pessoas começam a perguntar-me se eu daria tudo para beneficiência - nesta altura já não vale a pena tentar explicar que a questão principal não é o que eu faria com o dinheiro, mas como é que ele tinha vindo parar a mim - e que a distribuição desse dinheiro seria feita o mais possível de acordo com "quem é que merece ficar com este prémio?".
Como nunca me aconteceu (e dificilmente há-de acontecer) não consigo provar que agiria desta forma, pelo que sou tomado como um idealista oco cheio de garganta e longe da realidade (há que dizer que já me aconteceu ganhar prémios monetários - normalmente associados a algum trabalho que fiz. Estes prémios não me põem qualquer questão moral e aceito-os sem reservas, o que frequentemente é tomado como uma prova de que não sigo os meus próprios princípios).
Um outro caminho interessante que por vezes esta conversa toma é quando eu forço as pessoas a completarem a frase:
"e o que é que farias se ganhasses todo esse dinheiro?"
Frequentemente (nem sempre) as pessoas inventam num minuto um sonho de vida - uma casa enorme, uma viagem à volta do mundo, etc.
Quando começo a explorar um pouco mais o tema começam a baquear: "uma viagem onde? Porque é que ainda não foste lá? Para que é que querias uma casa tão grande, para nunca mais teres que ver a tua mulher/marido?"
Aí as respostas começam a ser mais hesitantes e menos rápidas...
Há que salientar que normalmente faço esta conversa com pessoas da classe média - média-alta, que frequentemente têm acesso a uma viagem relativamente cara por ano e que vivem numa casa que apesar de não ser luxuosa dificilmente se poderá considerar de baixa qualidade.
Para mim é uma pena observar a ideia que as pessoas têm de que seria uma felicidade ter a vida arruinada por sorte (imerecida) em demasia - observar que as pessoas não percebem que o que dá interese na vida é o acto da conquista e não a posse do império (bem - pelo menos para mim é assim...). Espero não vir a ter a infelicidade de perder a possibilidade de ganhar a minha vida.
Em jeito de conclusão tenho que dizer que considero-me uma pessoa a quem não falta nada de básico - aceito perfeitamente que uma pessoa que não tem dinheiro para pôr os filhos na faculdade ou para comprar um livro nos anos da mulher queira/precise de ganhar dinheiro de alguma forma. Apenas me entristece quando isso acontece com pessoas que considero já terem mais do que precisam. Suponho que a diferença está toda na resposta à pergunta: "o que é que farias com esse dinheiro"...
3 comments:
É engraçado que as alturas da minha vida em que me senti mais feliz existiram porque tinha o coração mais recheado do que a carteira. Eu faço parte do grupo que de vez em quando joga e que nao se importava nada de ganhar. Mas isso só me ia permitir ser feliz de outra maneira, nem melhor, nem pior. Talvez me fizesse mais feliz se isso permitisse fazer com que as pessoas de quem eu gosto, pudessem partilhar comigo as coisas que nos fazem sentir vivos. Luis
Eu disse "engraçado" mas fico feliz por assim ser. Luis
Pessoalmente acho que a única coisa que ias poder partilhar (e que ainda não partilhas) com os teus amigos seria o dinheiro - o que duvido que fosse aquilo que eles quereriam...
A única felicidade que poderias ter seria eventualmente se algum deles precisasse desse dinheiro e lho pudesses dar - e aí das duas uma: ou o darias todo e ficarias triste por perceber que não chegava, ou darias só uma parte e ias lembrar-te sempre que tinhas sido egoísta ao ponto de não o ter dado todo. Miguelb
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