O calor aperta enquanto subo os degraus de buddanath.
Enquanto caminho vou-me maravilhando com os grandes budas que sorriem a dar-me as boas vindas (na minha opinião uma postura pouco condizente com a filosofia budista).
Confesso que não faço ideia sobre onde estou - limitei-me a seguir os meus companheiros de viagem que conheci ontem e que parecem saber bem o que querem ver.
De repente somos abordados por um rapaz. Num inglês perfeito - mais próprio de um londrino do que de um rapaz de uns 15 anos que mora em Katmandu - ele oferece-se para nos guiar pelo templo. Nós olhamos uns para outros, intimidados pela situação e em busca do sentimento de grupo.
Acabamos por decidir aceitar quando ele nos diz que não temos que lhe pagar nada - no final decidimos se lhe damos alguma coisa ou não.Durante um bom bocado ele guia-nos pelo templo, explicando-nos numa voz alegre (uma alegria simultaneamente infantil e solene) - e sempre num inglês espantosamento perfeito - o significado das bandeiras, das rodas de oração e de todos os estranhos adereços que populam este local de culto budista.
Entre uma efeméride e uma história, consigo fazer-lhe algumas perguntas. Ele trabalha nas férias da escola para ajudar os pais - passa o verão ali, a entreter turistas. Afirma ter sonhos de vir para a faculdade - mas não consigo perceber se ele o diz para me satisfazer a mim, a ele ou aos seus pais. Enquanto bebo água da minha garrafa noto que ele parece estar com sede. Ofereço-lhe a minha água, que ele recusa prontamente. Eu insisto e é então que tenho oportunidade de presenciar algo que me vai fazer lembrar deste passeio mesmo daqui a 4 anos, quando escrever este texto. Nessa altura posso não me lembrar muito bem deste sítio, posso nem saber muito bem se realmente se chamava buddanath ou se tinha qualquer outro nome. Posso já ter-me esquecido de algumas das maravilhas e exotismos que me rodeiam - mas certamente que me vou lembrar da forma como este rapaz de 15 anos de tez escura e com um inglês perfeito, que não pode jogar à bola nas férias para poder ganhar dinheiro para dar aos pais e que provavelmente nunca saíu para muito longe de Katmandu me dá uma lição sobre educação e respeito ali no meio daquele calor e daquelas escadas cansativas:
É com muda reverência que o vejo pegar cuidadosamente na minha garrafa com as duas mãos, e com muito cuidado - de forma a não entornar nem uma gota da água que não lhe pertence - ele segura a garrafa com o gargalo alguns centímetros acima da boca dele e despeja uma quantidade mínima de água sem nunca tocar na garrafa com os lábios.
É um gesto feito com uma tal simplicidade, cuidado e respeito que me há-de impressionar durante muito tempo...
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2 comments:
Ahh, assim sim. Um belo de um post mesmo daquele jeito que eu gosto :)
Excelente o texto e excelso o momento relatado. Gostei especialmente da forma como escreveste agora como se o tivesses escrito na altura com consciência divina do hoje.
Luis
À pergunta:
-"Mas onde raio é que fica budadanath...afinal ele não tinha estado na Islândia?
Sucede a exlamação:
Ahhhh.......ele escreveu isto quatro anos depois.
Uma lição muito bonita em forma de post.
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