Wednesday, April 4, 2007

Introspecção - O "interrogatório"

Até ao final da adolescência passei uma fase de isolamento em relação ao mundo exterior - as coisas passavam-me ao lado sem que me apercebesse sequer que existiam e as pessoas eram-me estranhas e distantes (embora eu não o soubesse na altura).Durante os tempos de universidade comecei a aperceber-me que esse mundo todo me estava a passar ao lado e comecei a tomar mais atenção. Mesmo assim limitava-me a apreender e perceber o que acontecia - não PROCURAVA activamente DESCOBRIR o que acontecia.
De há alguns anos para cá mudei de novo de atitude: hoje tento influenciar o que se passa à minha volta, tento fazer coisas acontecer - tornei-me interventivo e activo em vez de reactivo na minha percepção do mundo exterior.


A situação em que noto mais esta alteração é na forma como converso com as pessoas - hoje em dia é frequente acusarem-me de conduzir verdadeiros interrogatórios nas minhas conversas com os meus amigos.
Existem várias razões para agir desta forma:

- O meu "sistema" de avaliação das pessoas só funciona se eu as conhecer bem

- Acho que é importante saber o que se passa com os meus amigos para os ajudar, apoiar ou simplesmente acompanhar

- Puro interesse e curiosidade (voyeurismo?) - simplesmente gosto de estudar as pessoas e o ambiente que me rodeia.

O método:

O primeiro passo numa conversa é tentar perceber se o interlocutor é alguém que quer ou não falar. Se não quiser falar o que geralmente faço é começar a falar de alguma coisa QUE NÃO a pessoa em causa (frequentemente de mim, numa tentativa de pôr a pessoa mais à vontade). Eventualmente acontece tocar num assunto que interesse à outra pessoa, o que a encorajará a participar mais activamente na conversa.
No caso de pessoas que já conheço (e que me conhecem) melhor e com quem já tenho mais à vontade costumo fazer perguntas directas. Normalmente o que faço é começar a fazer perguntas genéricas tipo "como é que vai a vida?" - se a pessoa tiver algo que queira contar vai aproveitar a oportunidade para falar do que lhe interessa, o que normalmente conduz às conversas mais interessantes.Muitas vezes as pessoas não começam a falar com perguntas tão genéricas - sobretudo se forem tímidas ou estiverem indecisas ou desconfiadas. Nesses casos começo a reduzir o âmbito da pergunta, tentando orientar a conversa para os assuntos que me interessam mais ou que "sinto" que interessam mais à outra pessoa, por exemplo:"a vida está boa? Então e o trabalho?""O trabalho está bom? Então e aquele problema que tu tinhas no outro dia?"
Eventualmente chega uma altura em que ou esgotei a paciência do meu interlocutor ou em que finalmente existe um assunto suficientemente específico para que ele(a) possa começar a falar à vontade sem se sentir constrangida (se a paciência se esgotar começo eu a falar para encorajar a conversa ou calo-me de vez - possivelmente amuado).
A partir do momento em que o interlocutor está a falar começo a escutar (muito) atentamente, e a fazer pequenas perguntas ou observações que permitam manter o fluxo da conversa, orientá-la para assuntos em que eu esteja mais interessado e simultaneamente encorajar a pessoa a continuar a falar.
É frequente chegar ao fim da conversa e a pessoa concluir que só ela falou - sou por vezes acusado de falar pouco e de não responder a perguntas. Não acho que isto seja correcto - na realidade o que acontece é que as pessoas não aproveitam as oportunidades que têm para me fazer elas próprias perguntas - nunca percebi se por falta de vontade ou de coragem, timidez, ou se simplesmente estão demasiado embrenhadas nas suas próprioas palavras.
Inclusivamente, quando (raramente) noto que estou a ser alvo de estratégias semelhantes normalmente facilito e deixo-me levar pela minha verborreia - afinal, sempre é uma maneira de estudar outras "técnicas". Por outro lado (quase) nunca deixo uma pergunta por responder e frequentemente encorajo as pessoas a fazerem-me perguntas de volta de forma a não se sentirem "abusadas".
Sigo este procedimento com consciência que o estou a fazer, mas as perguntas saem-me já de uma forma natural - hoje em dia não tenho necessariamente que pensar na pergunta seguinte (embora por vezes tente descobrir a melhor forma de encadear assuntos pouco relacionados sem quebrar a dinâmica da conversa). A partir do momento que se criou a dinâmica é inclusive frequente "desligar" o raciocínio e usar mais os instintos para tentar aperceber-me do estado de espírito das pessoas.
É preciso dizer que não faço isto sempre - apenas quando estou sozinho com alguém (que considere interessante) ou num grupo pequeno em que as pessoas já se conheçam todas bem.


Um grupo maior com pessoas que se conhecem mal tem uma dinâmica muito diferente - frequentemente as pessoas sentem-se intimidadas e pouco à vontade para falar para uma audiência desconhecida.Nestas situações as perguntas mais directas são particularmente nefastas porque obrigam o visado a responder ou a dizer que não quer responder, o que é inconscientemente entendido por muita gente como fraqueza ou má vontade. Assim sendo tento puxar assuntos mais gerais e esperar que as pessoas se decidam a contribuir voluntariamente. Quando sou a pessoa no grupo que toda a gente conhece ofereço-me por vezes como objecto de discussão, embora prefira não ter um papel tão central.Estas conversas são mais difíceis de conduzir (controlar?) embora seja possível fazê-lo usando alturas críticas da conversa para fazer pequenos desvios ou pôr novas perguntas relacionadas e encadeadas. Por outro lado existem assuntos que sei que são melindrosos para algumas pessoas - e enquanto que numa conversa a sós com alguém é fácil lembrar-me disso e evitar esses assuntos, num grupo maior nem sempre consigo ter isso presente - o que já me provocou algumas tiradas menos felizes da minha parte.

4 comments:

Luis Carvalho said...

É engraçado como até a falar de ti, das tuas coisas pessoais, és... técnico. Ainda bem que há pessoas assim para equilibrar um mundo onde há pessoas como eu. Eu? Não há tecnica nem racionalidade que valha. Tudo é sentimento, impulso, desejo, arrepio, dor e sorriso. Faz-me sentir vivo e único. Num mundo tecnocratico, coloca-me como diferente. Adrenalina para o faminto.

miguelb said...

Dificilmente conseguiria ser muito emotivo a escrever num sítio tão público. As emoções reservo-as e mostro-as apenas em privado e a quem as merece - aqui apenas disseco a minha maneira de ser/pensar.

Seja como for aí está um bom tópico para discutir da próxima vez que almoçarmos juntos!

Anonymous said...

Quando li este post, veio-me à mente algumas conversas passadas e não pude evitar um sorrisso frente ao computador... Quando li o comentário a teu post não pude evitar um segundo sorriso, pois também tinha comentado para mim mesma a racionalidade do teu método. Como tu sabes, e algumas pessoas que irão passar por este espaço também me deleito a observar as pessoas, a tentar compreender as suas motivações e emoções, tudo isto é para mim um mundo fascinante. Mas a forma como o faço é tão diferente! Tem menos técnica e mais subjectividade, pois a "observadora" também é mais extremada, emocional, impulsiva e sentimental. Mas fico sempre fascinada com o teu método Miguel.

Anonymous said...

Então qual é a diferença fundamental que vocês vêm entre a vossa maneira de o fazer e a minha? Vocês têm ou não um método? Quando estão interessados em saber algo sobre alguém como é que fazem - limitam-se a deitar perguntas ao ar conforme calha, ou tentam de alguma forma orientar a conversa para a zona que pretendem?


O improviso é fundamental para a minha técnica. É o raciocínio que me aguenta em pé, mas é o improviso e a intuição que me fazem avançar para a frente.
Ambos devem saber bem que muitas vezes me dedico a tentar adivinhar o que os outros sentem (e não apenas o que pensam) - algo que só é possível usando as minhas próprias emoções, uma vez que frequentemente os sentimentos não se compreendem. Na minha opinião uma das principais vitórias no meu «método» é precisamente reconhecer a importância de funcionar tanto com o raciocínio como com a intuição.