O título do post vem do Matrix - a certa altura o cypher está a falar com o agent smith e diz-lhe que prefere mergulhar na matrix, esquecer tudo e viver uma vida de luxo e ignorância, do que estar acordado na dura realidade onde se encontra. Ele quer esquecer que o mundo é um sítio terrível e prefere viver num irreal mundo de sonho, afastado das grandes preocupações e saboreando os pequenos prazeres que sente falta.
Frequentemente a sabedoria é associada com um certo grau de indiferença face à felicidade terrena. Alguns exemplos extremos poderiam ser:
- o budismo encara o nirvana (que não é mais que um estado de esclarecimento máximo e universal) como uma fase em que não existem emoções - buda não sentiu prazer por atingir o nirvana, nem pena ou compaixão em deixar o resto da humanidade para trás.
- os filósofos e sábios são frequentemente retratados em filmes e livros como ascetas que abandonam o mundo físico para se dedicarem à sabedoria pura. Deixam de ter prazer na comida, bebida e contacto social e íntimo e deleitam-se apenas com orgasmos filosóficos.
Bem, o facto é que a maior parte da humanidade não se preocupa com o nirvana ou com orgamos filosóficos - a maior parte de nós não há-de lá chegar (pelo menos nesta vida).
Assim sendo, em termos mais terrenos as perguntas sobre as quais quero dissertar um pouco é:
Será que no mundo real do dia a dia vale a pena darmo-nos ao trabalho de tentar saber mais - mesmo que o conhecimento seja doloroso - ou é preferível ignorar e seguir alegremente em frente? Vale mais a pena ser um parvo alegre ou um interessado sisudo e infeliz? Será que os parvos são alegres e os alegres são parvos, ou podem haver pessoas simultaneamente despertas e felizes?
Existem várias situações que se calhar tornam estas perguntas mais mundanas:
- Será que eu preferia a dor de saber que o meu conjugue me é infiel, ou preferiria viver na feliz ignorância?
- Será que eu preferia a dor de saber que tenho uma doença terminal, ou preferiria viver e aproveitar os meus últimos dias na ignorância desse facto?
- Será que eu quero saber que um amigo qualquer tem problemas que eu não posso resolver, ou prefiro nem saber para não ter que pensar nisso?
- Será que eu quero saber que o aquecimento global existe, ou prefiro ignorar o problema?
Algumas pessoas hão-de achar a pergunta estranha - possivelmente outras acharão simplesmente estúpida. Eu já lhe dediquei bastante tempo e interesse - já senti o peso desta dúvida. É mais frequente aparecer quando estamos a passar fases más, uma vez que nessas fases o peso de conseguir perceber a situação se torna muito maior.
Numa "vida" anterior conheci uma pessoa que me disse algo que na altura me perturbou muito:
"Quem me dera não saber certas coisas para poder ser mais feliz - as pessoas que sabem menos são sempre mais felizes!"
Para alguém que acha que dois dos objectivos principais devem ser aprender e aproveitar a vida, esta afirmação - vinda de alguém que eu achava particularmente clarividente - perturbou-me. Na altura pensei: "será que os meus objectivos de vida são demasiado ambiciosos - que eu não posso perseguir ambos e que vou ter que escolher? Será que estou fundamentalmente errado nos meus princípios?"
Durante algum tempo reflecti sobre este assunto.
Fui analisando o meu comportamento durante as fases mais difíceis porque fui passando. Fui experimentando e avaliando, fui observando os outros e vendo como é que eles fazem.
Olhando para trás para fazer essa análise, penso poder afirmar com segurança (e com algum orgulho, confesso) que nos últimos anos tenho caminhado num sentido de despertar e aprender, e que raramente fugi a responsabilidades.
Tentei também perceber o que é que poderia ter sido diferente se tivesse evitado tomar as decisões que tomei nessas alturas - a minha análise é que as coisas teriam provavelmente corrido pior e que hoje seria provavelmente menos feliz se o tivesse feito. Se calhar na altura não teria custado tanto (certas decisões foram mesmo muito difíceis de tomar e viver), mas hoje não poderia colher os frutos dessas escolhas - alguns deles muito doces. Afinal, "o doce não é tão doce sem o amargo".
Depois desta análise e de reavaliar os meus princípios concluí que a ignorância e indeiferença traz um tipo de felicidade que não me satisfaz - para mim é como ganhar uma corrida em que somos o único participante. Ficamos com a glória da vitória, mas sem o verdadeiro prazer da competição e da conquista. Hoje em dia comparo o não querer saber a uma tentativa de voltar aos despreocupados tempos de infância - por muito que tenha gostado desses tempos, acho muito mais interessante a vida que levo hoje. Confesso que tenho reservas em confiar numa pessoa que deseja ser néscia e não se preocupa em perceber a sua própria vida (e a dos que a rodeiam) - dá-me sempre uma ideia de irresponsabilidade e/ou infantilidade - por vezes de fuga à realidade.
O que percebi é que para mim não há mesmo hipótese. Neste momento não posso escolher ser mais ignorante ou indiferente, porque mesmo que o tentasse nunca conseguiria alhear-me do facto de que estava a ignorar ALGO. Deve ser por isso que algumas pessoas recorrem a expedientes para tentar esquecer - simplesmente para diluir a dor de saberem que estão a tentar esquecer algo que não é facilmente esquecido.
Tenho ainda que confessar que por vezes opto por tentar ignorar - nomeadamente em situações que não controlo ou sobre as quais sinto não poder actuar. O exemplo mais flagrante (sobre a qual falei aqui ainda há pouco tempo) está relacionada com a mendicidade. O que é um facto é que sempre que o faço, faço-o com a consciência (e dor interior) de quem acha que está a proceder mal - o que me deixa pensativo durante bastante tempo.
Seja como for, depois destes anos todos penso que posso pelo menos responder à minha antiga dúvida:
Hoje em dia acho que É mesmo possível procurar a sabedoria e encontrar a felicidade. Pelo menos para mim tem sido - e não trocaria nunca a felicidade que sinto por me sentir desperto, pela oca alegria da indiferença e ignorância.
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2 comments:
Eu fico feliz por ter um amigo que sabe o que quer :-) Eu fico feliz quando a mulher que eu gosto sorri para mim de forma cumplice. Eu fico feliz quando vejo a minha familia feliz. Eu fico feliz quando a minha carreira nao chega a um patamar elevado mas sim quando observo o campo aberto à minha frente. Eu fico feliz quando estou triste mas tenho confiança que voltarei a ser... feliz. Luis
Vezes sem conta são as vezes que esta pergunta se formula na minha mente:"Será que no mundo real do dia a dia vale a pena darmo-nos ao trabalho de tentar saber mais – mesmo que o conhecimento seja doloroso – ou é preferível ignorar e seguir alegremente em frente?". Quando estou zangada digo, para quem ainda ouve os meus desvarios, "Quem me dera não saber certas coisas para poder ser mais feliz – as pessoas que sabem menos são sempre mais felizes!".
Mas logo de seguida arrependo-me do que acabei de dizer, pois não está na minha natureza ignorar o mundo, seria faltar ao respeito a mim própria, ao que sempre defendi para mim enquanto pessoa. Confesso, no entanto, que naqueles momentos em me sinto mais triste é complicado não ceder à tentação de baixar os braços e deixar a vida tomar conta de mim e levar-me, simplesmente levar-me…
Mas, mais uma vez, volto a me arrepender, pois vem-me à mente todas as pessoas que se cruzaram no meu caminho, que contribuíram para a pessoa que sou hoje e para os bons momentos que vivi e partilhei com elas, e de tudo aquilo que eu ainda quero aprender e conhecer. Não sei muito bem porque estou a escrever tudo isto, mas este post arrancou-me vários sorrisos, pois à medida que o lia recordava muitas conversas que já tive sobre este assunto…
Há coisas para as quais eu sei que não vou conseguir obter respostas, e embora eu tenha essa consciência ainda não estou conformada para essa evidência. Eu sei que é uma luta inglória, mas não há nada a fazer, sou teimosa… Ao longo deste meu trajecto de vida sempre considerei mais interessante o caminho a fazer do que a meta a alcançar, o que não deixa de ser inquietante para uma pessoa que busca respostas…
Sónia N.
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