Wednesday, June 6, 2007

Mendicidade - oferecer ou não oferecer? (I)

Sempre que alguém na rua me pede dinheiro faço uma reanálise da minha opinião sobre mendicidade (ou sobre peditórios de rua, ou qualquer outra actividade que envolva alguém que não conheço pedir-me que ofereça algo voluntariamente - quase sempre dinheiro).

Segundo os meus princípios não devo contribuir nestas situações. Para mim isto é bastante claro: acho que não devo encorajar a mendicidade - segundo aquilo que acredito qualquer pessoa tem direito a escolher o tipo de vida que quer, mas deve estar preparada para acarretar com as consequências dessa escolha. Este princípio torna muito fácil a resposta quando sou abordado por alguém que acho possuir todas as condições para poder ter um trabalho/vida normal e que OPTOU por uma vida de mendicidade ou dependência da boa vontade alheia - nomeadamente pessoas jovens e aparentemente sãs.

Mas e o que dizer de pessoas que obviamente ou aparentemente não têm condições de ganhar o seu sustento? O que fazer face a um idoso, uma criança ou um aleijado? Ou face a uma pessoa que simplesmente alega não ter outra alternativa senão depender da boa vontade alheia?

Bem - nestas situações começa a ser mais difícil aplicar fielmente os meus princípios. Se é verdade que acredito que a mendicidade nunca será a solução para o problema, o facto é que consigo imaginar um leque alargado de situações sem qualquer outra solução. Acontece que a minha filosofia é a de que uma resposta é adequada APENAS SE fornecer uma solução para o problema, pelo que por vezes os meus princípios podem não ser uma resposta adequada.

Adicionalmente existem outros factores que entram em jogo quando formo uma decisão neste tipo de situação:
- A primeira é de ordem sentimental: a compaixão. Para mim é difícil ver outro ser humano rebaixar-se ao ponto de ter que me mostrar a sua incapacidade para tentar conseguir que eu o ajude. É-me penoso ouvir histórias de miséria e frequentemente não consigo pensar que a história pode ser simplesmente inventada. Por outro lado faz-me impressão a indiferença social que cada vez noto mais a pairar no tipo de sociedade em que vivemos e tenho sérias dificuldades em não ajudar alguém que me pede directamente ajuda.

- A segunda é de ordem prática: a realidade é que é muitíssimo provável que o que me pedem para oferecer tenha muito mais valor para quem recebe do que para mim. Se calhar para uma pessoa na minha posição 1, 2 ou 5 euros são na prática insignificantes, enquanto que para alguém que se vê obrigado (ou que escolhe) pedir na rua pode ser a diferença entre uma refeição ou a inanição (embora por outro lado o dinheiro possa ser usado para causas bem menos nobres).

- Existe ainda um terceiro factor que me custa bastante mais a confessar: o egoísmo. Por vezes acabo por oferecer não tanto por questões de princípio, sentimentais ou práticas - mas antes porque simplesmente quero afastar a pessoa de mim. Por vezes estou simplesmente com pressa, estou cansado ou não quero aturar a outra pessoa e a solução mais rápida é simplesmente "pagar para não me chatear".
Acho que esta é a pior razão que pode existir para fazer uma oferta. Em primeiro lugar mostra uma certa falta de humanidade da minha parte - eu simplesmente nem quero saber, quero apenas que a pessoa me largue e se vá embora, o que é contrário ao princípio da caridade.
Em segundo lugar (e ainda mais importante) porque acaba por "favorecer" as pessoas que são simplesmente insistentes ou chatas enquanto que "prejudica" aquelas que são mais reservadas ou que até se esforçam por me incomodar menos. Em relação aos meus princípios, acabo por estar a "premiar" a pessoa que tem menos mérito e a "prejudicar" a que apresenta um comportamento mais meritório.
Por último, como já disse noutro post considero que o "pagar para não me chatear" é algo intrinsecamente negativo e anti-social, que devo corrigir na minha actuação.

A verdade é que já o fiz - e sempre que noto que isso acontece fico muito irritado comigo mesmo (o que não me tem impedido de cair de novo no mesmo erro).

(continua no próximo post)

5 comments:

Anonymous said...

Eu recorro muitas vezes ao pagar para nao me chatear. Interpreto isso como um direito adquirido pelo nivel de vida que consigo ter. Faz parte do meu bem estar nao me chatear com assuntos que sei há partida que não me vão ensinar nada nem trazer qualquer outro valor relevante. Agora, pagar para me ver livre de alguém, só se for daqueles pedintes que embora nao tenha vontade nenhuma de pagar, receio que possa sofrer alguma represália desagradável. Aí pago a moedinha só para o ver pelas costas. Luis

Anonymous said...

Não sei se te lembras do post sobre o "pagar para não me chatear", mas para mim não interessa só a questão do EU ganhar alguma coisa com a minha atitude - e então os outros, não merecem que eu me esforce para os ajudar? Não é um bocado anti-social enfiar-me na minha concha e pedir para não me chatear apenas porque..... posso e tenho dinheiro para isso?
Não temos todos uma obrigação moral de tentar contribuir para melhorar a sociedade?

miguelb

Anonymous said...

E contribuis para a sociedade?
Estás a arrastar um mal. nap das soluçao nenhuma.
o mal esta la e continua.

Por mim, q se danem

Anonymous said...

.. ng escolhe estar na rua, por algum motivo ''chegou lá''... mesmo que se diga ''gosto de aqui estar''.. o orgulho de uma pessoa que não tem nada, é-lhe muito. Que caísse por Bohemia, por um infeliz acaso, uma vida complicada, droga ...sanidade mental afectada ou mesmo doente mental que após idade adulta é posto ''à andar!''
Fora os possíveis casos, diz-me, no mundo actual, comercial e competitivo... torna-se cada vez mais dificil ''ficar'' dentro. Imagina tentar entrar denovo. Sim porque por determinismo social quem nasce pobre morre pobre. Também há quem viva de heranças ..outros não vivem, trabalham... outros estão praticamente mortos porque nem tiveram a têta, nem sabem o que fazer da vida devido à falta instrução/educação no país. Por isso também tão todos fdds agora porque não sabem o que fazer. enfim...

.. acho quando se ajuda, ajuda-se e pronto. Nunca ouvi dizer que tinha que haver um motivo. Isso seria oportunismo. Concordo que não queiras gastar dinheiro, eu tb não... mas podes falar... porque quem quiser muda o mundo, porque cada um, vive no seu. Poético... but true...

miguelb said...

Aceito que hajam pessoas que sejam arrastadas para a mendicidade, mas também já conheci pedintes por opção. Mesmo nos exemplos que apresentas, seria provavelmente defensável a noção de que cair por bohemia ou droga é uma opção.


"Quem nasce pobre morre pobre" -

Até pode ser estatisticamente mais ou menos verdadeiro, mas é uma postura muito negativa face à vida. E não sei se será extensível a "quem nasce pobre tem que se tornar mendigo".


"Também há quem viva de heranças...outros não vivem, trabalham".


Engraçado - eu vejo as coisas ao contrário. Eu teria escrito:


"Também há quem viva de trabalho... outros não vivem, herdam".



Sou da opinião que há sempre um motivo para tudo o que acontece - mesmo que o motivo seja altruísmo puro e inocente estilo "vou ajudar porque esta pessoa precisa de ajuda". Para mim a importância de encontrar um bom motivo é porque isso me vai permitir saber quando, onde e a quem ajudar.

miguelb