Friday, November 16, 2012

Pãozinho sem sal

Em 2010 foi introduzida uma lei que limita o teor de sal no pão.


Os principais argumentos que tenho ouvido a favor desta lei são os seguintes (podem haver outros):

1) Argumento categórico: o estado tem o dever de se preocupar e de trabalhar no sentido de melhorar a saúde dos seus cidadãos.
2) Argumento utilitário: o estado gasta muito dinheiro devido a doenças relacionadas com o consumo excessivo de sal e por isso deve trabalhar no sentido de reduzir esses custos.



O argumento utilitário é muito desinteressante - parece-me uma má razão para criar uma lei deste género mais que não seja porque está fundado em "factos" difíceis de comprovar (e porque o argumento utilitário é frequentemente muito pouco humanista).
Para se fazer as contas ao custo para o estado do excesso de sal não basta contabilizar os custos da saúde - seria preciso calcular os custos/ganhos decorrentes das mudanças nos hábitos de consumo devido a pessoas que passam a comer outros produtos. Se calhar em vez de comer pão as pessoas passariam a consumir outros produtos que lhes fariam ainda pior!

Numa objecção mais cínica e nada politicamente correcta, poder-se-ia argumentar (tal como o fez a Philip Morris no infame estudo de 2001) que o facto de as pessoas morrerem mais cedo devido a complicações relacionadas com o excesso de sal pouparia bastante dinheiro em reformas e pensões da segurança social.



Para mim o cerne da questão está no argumento categórico - o estado deve trabalhar activamente para melhorar a saúde dos cidadãos, mesmo que o faça contra a vontade desses mesmos cidadãos?

Responder que sim é defender uma visão de um estado paternalista e moralista, que acha que as pessoas não são capazes de tomar as decisões mais correctas por si próprias. Para este estado, as pessoas não só têm que ser guiadas e ensinadas, como as possibilidade de terem comportamentos "errados" deve ser controlado e proibido - mesmo que apenas afecte as pessoas em causa, sem prejuízo de terceiros.

Na minha visão libertária, o estado está a ultrapassar os seus deveres, privando os cidadãos de uma escolha - que pode ser consciente ou não. Para mim seria bem mais interessante um modelo em que o teor de sal teria que ser indicado ao consumidor (eventualmente com um código de cores, para simplificação).
O carácter repressivo seria assim substituído por uma medida de carácter informativo, o que estaria mais de acordo com uma visão de um estado que ensina e forma, e não de um estado que proíbe e reprime.
Há que dizer que o artigo do público do primeiro link menciona outros países que têm conseguido resultados com base em recomendações e campanhas - o que parece apontar para algum sucesso da aproximação formativa versus repressiva.

Esta lei pode parecer bastante irrelevante e insignificante, mas segundo o próprio artigo do público os seus autores criaram-na com o objectivo de mais tarde alargá-la a outros produtos. A continuar este caminho, mais cedo ou mais tarde há de haver um produto que é proibido e que não é assim tão irrelevante.

E já agora, porquê ficarmo-nos pelo sal? Eventualmente alguém se haverá de lembrar que o tabaco e o álcool fazem mal à saúde - afinal, ideologicamente não existe diferença entre a lei do pãozinho sem sal e a lei seca dos estados unidos. Evidentemente que os impactos de ambas as leis são completamente diferentes, mas o princípio moralista que está por trás é idêntico.

Finalmente, não deixa de ser curioso constatar que aparentemente (segundo o último parágrafo do artigo do público) é mais fácil e barato proibir do que prevenir e informar.



Natalidade e ambiente

A natalidade em Portugal tem estado nos noticiários - aparentemente nunca esteve tão baixa e continua a cair.


Este facto é visto regra geral como algo muito negativo, sendo que um dos principais argumentos apresentados é utilitarista - se a natalidade cai, o estado social não vai aguentar. Vamos começar a ser todos idosos sem ninguém para tomar conta de nós e para trabalhar para pagar as nossas pensões.



Para lá do egoísmo deste argumento (certamente existem outros bem mais aceitáveis), existe nele uma premissa que me preocupa: o argumento parte do princípio de que para manter o estado social é necessário um aumento constante da população.


Um aumento constante da população é algo que me assusta. Nada cresce constantemente ad infinitum: todas as populações acabam por atingir um factor limitativo - espaço, energia, alimentação, etc. Quando este limite é atingido, uma de duas coisas acontecem:

- Uma estabilização suave em torno de um ponto de equilíbrio
- Uma rotura catastrófica de todo o sistema


De acordo com esta visão, a estabilização da população é algo positivo. Tem conotações negativas - envelhecimento da população, problemas sociais, etc, mas é algo que teria sempre que acontecer - mais cedo ou mais tarde teríamos que atingir o limite ambiental - e mais vale que seja antes de ultrapassarmos (demasiadamente) o ponto de equilíbrio.
Que esta estabilização ocorra sem necessidade de introduzir medidas artificiais (tal como aconteceu na China com a infame política do filho único) é um bónus (muito) bem vindo.



Há que dizer que existem vários argumentos contra esta ideia. Existe actualmente um grande debate entre "doomers" (pessoas que acreditam que estamos a atingir/já atingimos limites ambientais que põem em causa a nossa sobrevivência) e "cornucopians" (pessoas que acreditam que ainda estamos longe de atingir o limite ambiental, e que eventualmente este nunca será atingido devido à evolução tecnológica e/ou social).

Coloco-me do lado dos doomers (não, não sou um "survivalist"), embora não partilhe a opinião de muitos que dizem que já ultrapassámos o limite ambiental - não sei onde esse limite se encontra e acredito (tal como os cornucopians) que este limite evolui com a sociedade e tecnologia.


Quanto a questões económicas - este é um daqueles casos em que os nossos desejos e boas intenções esbarram com a dura e crua realidade: a sociedade tem que se adaptar ao meio ambiente, porque o ambiente certamente que não se vai adaptar à sociedade.

Thursday, November 1, 2012

Fazer o que se gosta vs gostar do que se faz

Fazer o que se gosta é hedonismo, mimo, egoísmo.

É pensar naquilo que queremos e não naquilo que devemos, nos direitos e não nas obrigações.
É jantar e não levantar a mesa, comer o chocolate e não deitar fora o papel.
É não se fazer aquilo que não se gosta, deixar para os outros aquilo que não quero para mim.

Fazer o que se gosta é caminhar com os olhos postos no destino, perseguir apaixonadamente um sonho - custe o que custar. É saber aquilo que se quer - os fins justificam os meios.

Quando se faz o que se gosta não interessa o que se faz - interessa o que se gosta.






Gostar do que se faz é dever, honra, orgulho.

É pensar naquilo que é preciso e descobrir aquilo que queremos.
É começar uma tarefa por dever e acabar por prazer.
É dar com sacrifício e descobrir a glória da oferta, ir despejar o lixo e descobrir as estrelas.

É encontrar o rumo durante a caminhada, é ir pelo caminho mais bonito em vez do mais curto - porque o que interessa é a viagem. É deixar que os sonhos nos persigam enquanto nos ocupamos com a realidade.



Quando se gosta do que se faz, nada mais interessa.



Fotografia: dormindo com um desconhecido

Na minha empresa existe uma conferência anual que junta milhares de pessoas de todo o mundo em Seattle. As pessoas ficam hospedadas em hotéis, normalmente em quartos de dois.

Tenho sempre muito cuidado a escolher o meu companheiro de quarto - até ao ano passado, em que ele desistiu à última da hora e a organização me designou aleatoriamente um novo companheiro.



Já estou no quarto quando ele entra. É alto e encorpado. Tem um olhar doce e cansado por trás de uns óculos de aspecto frágil.
Acabou de chegar do Senegal - muitas horas de avião em cima. Traz uma mala de viagem de aspecto normal, e veste de uma forma prática e simples, mas com um leve toque a formal - o tipo de roupa que associo a alguém que gosta de cumprir regras.
Cumprimenta-me num bom inglês, atirando-me a mão enorme com um gesto largo e de sorriso aberto.

Começamos a falar sobre o evento - ele acabou de entrar na empresa e nunca participou em nenhum. Depois de lhe explicar a dinâmica da conferência e de lhe dar alguns conselhos, a conversa evolui suavemente para outros tópicos. Falamos dos americanos, dos europeus e dos africanos. Ele começa a fechar os olhos durante a conversa e decido poupá-lo. Ele insiste em tentar conversar - nota-se que é educado - mas o sono está a levar-lhe a melhor e acaba por desistir.
Quando já não aguenta mais levanta-se, vai à casa de banho, volta, pergunta-me para que lado fica o mar, pega num tapete e ajoelha-se no chão a orar. Depois vai deitar-se e adormece.


Nos dias seguintes começa a ficar mais à vontade. Certa amanhã acordo com o resmonear das suas orações. Fico na cama a tentar perceber o que diz, evidentemente sem sucesso.


Numa das noites consigo que a conversa vá para onde quero - a religião.
Ele conta-me alegremente como funciona a religião no Senegal.
Fala-me das diferenças entre o islamismo africano e do médio-oriente. Fala-me do carácter tolerante da religião africana. Conta-me como funcionam as datas religiosas, como é que são vividas pelas pessoas. Como é que cada um segue a religião e como é que cada um a contorna e ajusta ás suas necessidades.
Mostra-me o tapete que usa para orar, explica-me a finalidade das abluções e mostra-me a app que tem no telefone para descobrir Meca .


A certa altura fala-me das mulheres. Diz-me que sai caro casar com mais que uma. Existem regras a seguir - todas as mulheres têm que ser tratadas da mesma forma pelo marido. O homem tem que dormir o mesmo número de noites com cada mulher, e se der uma prenda a uma tem que dar prendas equivalentes às outras. Conta-me que a poligamia não é muito frequente - sobretudo num país pobre como o Senegal.
Pergunta-me o que acho. Respondo-lhe cuidadosamente que não sou contra a poligamia, desde que as mulheres tenham os mesmos direitos que os homens. Ele faz uma cara de surpresa, solta um pequeno uivo e diz-me que há algumas pessoas no país dele que pensam como eu. Di-lo com um ar que eu classificaria de cuidadoso e educado choque. Imagino-o a imaginar uma mulher a casar com vários homens e percebo o uivo.

Aparentemente a minha observação não foi mal recebida, porque a conversa continua. Pergunta-me como é comigo no meu país. Explico-lhe que represento uma minoria agnóstica num país maioritariamente pseudo-cristão - e ele mostra-se mais interessado no cristianismo do que no agnosticismo.

Certo dia enfurece-se ao telefone enquanto fala com a mulher. Ele conta-me que o presidente/rei do Senegal está a tentar mudar a constituição para se poder reeleger após ter cumprido todos os mandatos permitidos constitucionalmente. Fala-me do presidente/rei do país dele com alguma raiva e medo - teme uma guerra civil e arrepende-se de não ter emigrado para Inglaterra. Ele até queria, mas a mulher não estava para aí virada.

Penso no meu próprio país, e nos tiranetes que por cá temos que também mudam constituições com fins eleitoralistas. Penso no que faria se o meu país fosse pelo caminho que ele descreve e constato
que independentemente da língua, religião, cor da pele ou continente onde vivemos, todos temos os mesmos medos e desejos.

No final, mais do que as sessões que assisti ou do tempo que passei com os meus amigos e colegas, lembro-me com algum prazer das conversas que tive com ele. Gostei tanto da experiência que tenciono passar a não escolher o meu companheiro de quarto nos eventos futuros. Só espero continuar a ter sorte com os próximos sorteios.





Thursday, October 11, 2012

Fotografia: olhos mortiços

O rapaz entra no balneário acompanhado do pai, que lhe segura o cotovelo.

Deve ter uns 15 anos, magro. É evidente que sofre de uma paralisia cerebral - o caminhar difícil, pés virados para dentro, joelhos a roçarem-se, mãos num ângulo estranho.


O rapaz senta-se num banco um pouco distante de mim, mas onde o posso ver bem. Decido vestir-me mais devagar, para sentir a dinâmica familiar.

O pai - que deve rondar os 50 - começa a despi-lo, sem palavras. O rapaz vai divagando o olhar pelas paredes brancas, sem qualquer vislumbre de interesse pelo espaço onde se encontra, mas sempre sem encarar o pai que se debruça sobre ele.

Dá para perceber que o pai não está habituado a vestir o filho. Os gestos não são fluidos, o corpo está tenso. Nota-se uma certa irritação nos gestos - talvez mesmo uma certa rispidez. Não há carinho nesta tarefa, apenas algo a desempenhar - um obstáculo a ultrapassar.

A certa altura resmunga. Enganou-se a vestir o fato de banho ao rapaz e agora vai ter que recomeçar a tarefa. O rapaz parece não se importar - continua a obedecer as ordens mudas do pai: levantar o rabo, levantar os braços, levantar as pernas...

Continua impavidamente a varrer o espaço com a cabeça, os olhos mortiços que não se fixam em nada, vazios de interesse.
A certa altura repara em mim a reparar nele (será que percebe que estou a estudá-lo?). Mantenho o olhar fixo nele durante 1 ou 2 segundos e decido desviar os olhos e continuar a vestir-me.


Começo a pensar no que será ser aquele pai desgastado e agastado, que parece ter sido arrastado para aquela tarefa por vontade de outrem. Uma tarefa que podia ser de convívio e de partilha, mas que mais parece ser um castigo.

Tento imaginar como será ter que vestir um adolescente todos os dias. Dar-lhe de comer, olhar por ele... E olhar para o futuro e não ver o dia em que essas tarefas deixam de ser necessárias. Não conseguir ver o dia em que os papéis se invertem e o filho toma conta do pai.
Uma pergunta forma-se na minha cabeça acima de todas as outras: que sonhos terá este pai para esta criança? Que esperanças alimentará?

Começo a tentar imaginar a vida deste pai: quando é que terá sido a primeira vez que soube que ia ter um filho com este problema? Como é que terá recebido a notícia?  Como fará para tomar conta da criança nos dias em que vai trabalhar? Será que lhe lê uma história antes de se deitar? Várias perguntas que gostaria de perguntar para perceber o que separa esta criança das outras.

Tento pôr-me no lugar dele, mas dói-me demais pensar o que seria ter um filho assim. Lembro-me dos medos que senti antes de os meus filhos nascerem - de fazer contas às probabilidades, de jogar com os números. Lembro-me de tentar imaginar como reagiria se algo semelhante me acontecesse - e das difíceis conclusões a que cheguei. Lembro-me do alívio dos resultados dos exames, da felicidade de os ver nascer sãos.


Entretanto o rapaz levanta-se. Tem que ir à casa de banho. O pai leva-o pelo cotovelo e volta sozinho - aparentemente o rapaz é suficientemente independente para fazer a sua higiene pessoal.

Acabo de me vestir e vou-me embora. Pelo caminho começo a analisar-me a mim mesmo. Analiso a minha tentativa de compreender o pai e constato que não tentei fazer o mesmo pelo filho. Tento perceber porquê.
Tento imaginar o que seria ser aquele filho e percebo que não consigo!

Por muito que tente, não consigo imaginar o que será ser aquela criança. Como será que ele vê o mundo? O que é que será que se consegue aperceber? Será que estas perguntas fazem sequer sentido na sua realidade?

Tento fazer a ligação entre os meus princípios e uma vida assim - e também aí falho. Descubro que as minhas regras não fazem sentido perante esta realidade. É como estar num universo diferente com outras leis físicas - nada bate certo. Afinal, como é que posso relacionar princípios como meritocracia, racionalidade ou moral com uma realidade brutal como esta?

Será que os meus princípios são demasiado frágeis para suportar o peso desta realidade? Se calhar por isso é que me sinto desconfortável face a estas pessoas - se calhar é porque elas me fazem ver que as minhas ideias duras e frias talvez não valham tanto quanto eu penso...


Wednesday, October 10, 2012

Encontrar o meu lugar


 
[…]
You're going to fail [to have a great career] because you're not going to do it, because you will have invented a new excuse, any excuse to fail to take action, and this excuse I've heard so many times. "Yes, I would pursue a great career, but I value human relationships more than accomplishment. I want to be a great friend. I want to be a great spouse. I want to be a great parent, and I will not sacrifice them on the altar of great accomplishment."
[...]
But what do you mean? That's what you expect me to say. You really think it's appropriate that you should actually take children and use them as a shield? You know what will happen someday, you ideal parent? The kid will come to you someday and say, "I know what I want to be. I know what I'm going to do with my life."

You are so happy! It's the conversation a parent wants to hear, because your kid's good in math, and you know you're going to like what comes next. Says your kid, "I have decided I want to be a magician. I want to perform magic tricks on the stage."

And what do you say? You say, "Umm ... that's risky, kid. Might fail, kid. Don't make a lot of money at that, kid. You know, I don't know, kid, you should think about that again, kid, you're so good at math, why don't you — "

And the kid interrupts you, and says, "But it is my dream. It is my dream to do this." And what are you going to say? You know what you're going to say? "Look kid. I had a dream once, too, but -- but."

So how are you going to finish the sentence with your "but"? "
... But. I had a dream too, once, kid, but I was afraid to pursue it."

Or, are you going to tell him this:

"I had a dream once, kid... But then you were born!" 
 
Do you really want to use your family, do you really ever want to look at your spouse and your kid and see your jailers? There was something you could have said to your kid when he or she said, "I have a dream." You could have said, looked the kid in the face, and said, "Go for it, kid, just like I did." But you won't be able to say that because you didn't. So you can't.

O discurso é brilhante - acho difícil passar-lhe indiferente - embora as ideias sejam controversas.

A verdade é que nem toda a gente quer ter uma grande carreira. Acho que me sentiria pior comigo mesmo se daqui a alguns anos olhasse para trás e achasse que tinha descurado a família e os amigos em favor de ambições carreiristas, do que se caísse no erro contrário.
Há que dizer que apenas valorizo o trabalho que faço - não a carreira que persigo - e não tenho grandes dificuldades em me auto motivar, pelo que não me custa encontrar a felicidade no trabalho que faço, mesmo que não seja um "grande trabalho".

Mas e se eu substituísse a palavra "carreira" simplesmente por "trabalho"? Aí a análise já fica diferente, porque aí já estaria a falar de algo que valorizo...



Uma vez uma pessoa que respeito muito disse-me:

"Miguel, o que é que está aqui a fazer? Devia estar era a procurar a cura para o cancro!"

Na altura recebi a frase como um elogio. Depois de ir para casa pensar no que significava, comecei a encará-la como uma crítica (tenho a certeza que não era este o sentido que a pessoa lhe queria dar).

A verdade é que frequentemente sinto que podia fazer mais, que estou subaproveitado. A ser verdade, será que é moralmente correcto contentar-me com o que faço em vez de procurar contribuir mais ou de maneira diferente? Será que não devia procurar um lugar onde me adaptasse melhor? Onde as minhas capacidades e potencial pudessem ser melhor aproveitadas? Onde pudesse ter um maior impacto? Isto para não falar na satisfação pessoal de sentir o desafio, o prazer da luta e a importância do resultado do meu trabalho.

Ou será que estou simplesmente a ser presunçoso, ou egoísta? Se calhar o trabalho que faço é tão válido como qualquer outro... Se calhar já estou no sítio onde devo estar... Se calhar há outras maneiras de contribuir que não exijam mudar de emprego, de cidade, de país ou de vida... Que não obriguem toda a minha família a queimar os barcos e a correr atrás da minha sombra, enquanto persigo os meus objectivos. Se calhar posso contentar-me em continuar a procurar o desafio nas pequenas coisas, nos detalhes que me rodeiam - afinal, aparentemente não tenho dificuldade em encontrar encanto e interesse naquilo que me rodeia...

E por falar em sonhos, o que dizer dos sonhos desfeitos da comunidade que me rodeia? O que dizer do impacto sobre avós, tios, filhos, conjugue, que se veriam forçados (pelo menos alguns) a viver a minha vida em vez de poderem viver a deles? Que dizer da estabilidade perdida, laços rasgados, raízes arrancadas - será que tenho o direito de lhes pedir tanto? Pior - será que tenho o direito de lhes impor tanto?

Há que dizer que o momento "but then you were born" me atormenta. Não me imagino a usar a frase num sentido acusatório, mas consigo imaginar-me a ter que usá-la num sentido educativo: se alguma vez quiser incentivar um dos meus filhos a tomar uma decisão semelhante, o que é que lhe vou dizer? Que exemplo é que lhe vou poder mostrar? "Faz o que eu digo, não faças o que eu fiz"? Parece-me o tipo de atitude que costumo criticar nas outras pessoas...

Dantes, tudo se resumia a: o que é que vou querer ver quando daqui a uns anos olhar para o percurso que estou a traçar agora? O que é que vou valorizar? Mais importante ainda - o que é que vou criticar nas escolhas que faço? Que experiências vou desejar ter tido? Que dificuldades vou desejar ter evitado?

Mas agora não! Isto era dantes - agora é diferente. Agora também tenho que pensar: o que é que os meus filhos vão pensar sobre as escolhas que fiz por eles?
 

Voltar a escrever

Hoje lembrei-me de passar por aqui para relembrar o passado. Não sabia se o blog ainda estaria activo, ou se os meus pensamentos estariam perdidos de vez. Depois de 5 anos sem cá vir perguntava-me como soariam os ecos dessas palavras que tinha escrito há tanto tempo.

Fiquei satisfeito com o que li. Senti um misto de orgulho e preocupação por ver o pouco que mudei durante este período. Orgulho pela congruência, preocupação com a estagnação.

Os princípios ainda são os mesmos - o mérito, a moral, os valores do trabalho - talvez um pouco temperados por uma visão menos extremada - mas mesmo assim muito vincada.

Os fins também não mudaram muito - o aprender, o analisar, o hedonismo do trabalho (uma bela expressão para o que muitas pessoas descreveriam como "workoholismo") - a tal falta de ambição agora transformada em algo diferente (um tema a desenvolver mais tarde?). Eventualmente alguns objetivos novos que decorrem da nova realidade.


O meio envolvente - esse mudou completamente. Novas responsabilidades, uma nova visão do mundo a quatro, uma grande perda de liberdade individual, uma mudança radical de estilo de vida. No trabalho uma evolução (relativamente) lenta e gradual, mas que mesmo assim provocou as suas mudanças na minha maneira de estar.
Mesmo o mundo tem mudado - tem mudado mesmo muito e muito depressa. Preocupa-me pensar que o mundo está a mudar muito mais depressa do que eu - mas já estou outra vez a divagar em (possíveis) futuros posts.



Olhando para trás a verdade é que não consigo perceber porque é que parei de escrever, o que de certa maneira acaba por ser coerente, uma vez que também não sei muito bem porque é que comecei.

No entanto sei porque é que estou a pensar voltar a escrever: porque li estes posts de há 5 anos atrás e gostei de os ler. Gostei de recordar as "fotografias" e de me reencontrar nas auto análises. Agora percebo que mais que outra coisa estes posts são ecos para eu escutar mais tarde e perceber a distância que separa o presente do passado.

Olhando para trás tenho pena de não ter recebido mais opiniões - gostei de reler os comentários, sobretudo os mais opinativos e longos. Valorizo o facto de as pessoas se darem ao trabalho de oferecer a sua opinião - tenho pena que não o façam mais vezes.