Wednesday, March 28, 2007

Lógica - nos sapatos dos outros II

Eu acho que se podem tirar algumas conclusões muito importantes deste problema:

- A importância e subtileza da informação:
É interessante notar como informação vital foi transmitida não de uma forma directa (o sábio a falar), mas de uma forma muito indirecta - através de eventos que NÃO acontecem. Eu acredito que isto acontece muito frequentemente no "mundo real" - muito mais frequentemente do que as pessoas normalmente acreditam. Ser capaz de reconhecer estas situações é um dom que (ainda) não possuo, mas que acredito que pode ser treinado e aprendido.

- As ferramentas utilizadas para compreender o problema - nomeadamente a decomposição do problema em partes e a utilização de uma forma de indução para extrapolar o resultado.
Existem várias técnicas para atacar problemas complexos - dividir o problema em partes, resolver problemas mais simples para depois extrapolar o resultado, tentar ganhar uma perspectiva diferente do problema, etc. A arte da extrapolação a partir de problemas mais simples está em saber como simplificar o problema de forma a continuar a incluir os elementos cruciais. Por exemplo, se para simplificar o problema eu tivesse dito que apenas um homem enganava a mulher em cinquenta, então as conclusões poderiam não ser extrapoláveis.
Acredito que também esta técnica pode ser aprendida e treinada, embora existem pessoas com mais predisposição que outras.

- E sobretudo: a importância de nos pormos no lugar dos outros para percebermos o mundo que nos rodeia (e mesmo a nós próprios) - neste caso o não cumprimento de tendências expectáveis.
Frequentemente na minha análise das outras pessoas surge-me a necessidade de tentar perceber ou prever um comportamento face a uma dada situação. Como primeiro passo normalmente tento encontrar situações semelhantes em que a pessoa tenha participado e que eu tenha presenciado e tento inferir o comportamento a partir do historial. Esta técnica é relativamente falível porque frequentemente existem pequenas diferenças que são aparentemente insignificantes para mim, mas que podem fazer toda a diferença para a pessoa avaliada e que podem afectar o seu comportamento. A melhor forma de tentar prever (na minha opinião) é conhecendo a pessoa e tentado pensar como ela para daí tentar perceber o que é que vai acontecer. Acredito que é desta necessidade de prever e conhecer que surge um comportamento de certa forma inquisitivo da minha parte. É também do facto de pensar que pequenas diferenças na situação/ambiente podem causar grandes diferenças na resposta (o princípio básico da teoria do caos) que faz com que frequentemente repita as mesmas perguntas em situações ligeiramente diferentes - mas isso já será um tópico para outro post!

Lógica - nos sapatos dos outros

Este problema é bastante conhecido no ramo da Teoria de Informação.

Numa aldeia remota e bastante invulgar vivem 50 casais. Nesta aldeia existe uma lei sobre o adultério: quando uma mulher descobre que o seu marido a engana tem como obrigação matá-lo na noite em que faz a descoberta e deitar o corpo para o meio da rua principal na manhã seguinte, de forma a que toda a aldeia tome conhecimento da sua infidelidade.
As mulheres desta aldeia são muito inteligentes e lógicas, mas têm graves problemas de comunicação (forçados pela sociedade machista vigente) - nomeadamente, TODAS ELAS sabem que os maridos de todas as outras as andam a enganar, mas nenhuma delas conta a nenhuma das outras que isso acontece. A consequência é que apesar de todas elas estarem a ser enganadas, nenhuma delas tem provas irrefutáveis de que o marido a engana e portanto não podem cumprir a lei.
Esta situação dura muito tempo, até que um belo dia chega um sábio à aldeia e faz a seguinte afirmação em público de forma que toda a população o ouve:

- Pelo menos uma de vocês está a ser enganada pelo marido!

A pergunta é: o que é que acontece de seguida?

A resposta é: durante 49 dias não acontece nada. Na quinquagésima noite existe um assassínio em massa e todos os homens são mortos e o seu corpo despejado para a rua pela respectiva mulher.

Porquê:

Suponhamos que existiam apenas dois casais na aldeia nas mesmas condições - ambas as mulheres eram enganadas pelos maridos. Neste caso, após o aviso do sábio cada mulher pensaria o seguinte: "bem - das duas uma: ou é ela a enganada ou somos as duas, uma vez que eu sei que a outra é enganada. Se a outra mulher souber que eu não sou enganada, então como ela ouviu dizer que há uma enganada ela vai perceber que só pode ser ela e vai matar o marido. Se ela souber que eu sou enganada, então ela vai ficar na dúvida (como eu) e não vai matar o marido na primeira noite".
Como ambas pensam da mesma forma, depois da primeira manhã ambas percebem que a outra não tinha a certeza se estava ou não a ser enganada, pelo que ambas percebem que a outra sabe que estão a ser enganadas. É fácil extrapolar este raciocínio para 50 casais (os mais desconfiados podem começar por extrapolar para 3 casais).

Este problema é (muito) interessante pelo seguinte: o sábio não disse nada que não fosse já conhecido por TODAS as mulheres. Então, de onde veio a informação que fez com que houvesse uma alteração de comportamento e que forçou as mulheres a agir?
Esta informação veio não daquilo que o sábio disse, mas do que NÃO aconteceu. Á medida que os maridos NÃO iam sendo mortos, a informação de que elas sabiam que as outras eram enganadas ia lentamente passando entre as mulheres.
O que o sábio deu às mulheres não foi informação sobre si próprias, mas antes acabou por informar todas as mulheres sobre o que as outras sabiam.


(continua no próximo post)

Wednesday, March 14, 2007

Extrospecção - A ambição

Um destes dias disse a um amigo: "Falas muito da carreira e pouco do trabalho". Foi uma frase deliberadamente injusta e irónica para provocar uma reacção e não consegui arrancar muito mais que um sorriso. Foi uma frase injusta não por ele não ser (demasiadamente) preocupado com a sua carreira, mas porque sei que se preocupa - e muito - com a qualidade do trabalho que faz (espero que os seus princípios nunca venham a ter que se defrontar com a ambição - mas isso é outra história).

No sítio onde trabalho as pessoas dão muita (demasiada) importância à "carreira". É um sítio competitivo, onde as pessoas são normalmente ambiciosas e têm tendência para pensar longe no futuro. Pelo que vejo é uma tendência que se tem espalhado nos últimos tempos pelo "mercado". Eu não acho isto particularmente mau. Por vezes a competitividade é dirigida na direcção errada, mas fora isso (que não acontece sempre) até acho saudável um certo nível de competitividade e certamente acho muito bom pensar-se em termos futuros. O que acho negativo (e cada vez mais noto isso) é a dificuldade que noto nas outras pessoas em perceber que:

- Para chegar ao futuro é preciso passar primeiro pelo presente

- O objectivo da vida não é chegar ao fim

Evidentemente que posso ser simplesmente eu que tenho uma visão diferente, mas estes dois princípios parecem-me tão evidentes que tenho dificuldade em imaginar argumentação que se possa usar para os contrariar. Podem parecer um bocado cliché naive - e realmente quando digo coisas como: "ganho mais do que o que preciso para viver" ou simplesmente "gosto do que faço - não queria fazer outra coisa" por vezes sinto-me olhado como um bicho raro (e ingénuo). Outras vezes olham para mim com inveja - não sei se da minha posição se da minha ingenuidade - sem que o interlocutor sequer se dê ao trabalho de pensar que se calhar já tem tudo o que precisa, tão ocupado está a pensar no que ainda pode vir a ter.


Quando olhamos para o horizonte frequentemente não vemos onde pomos os pés - por vezes imagino as pessoas a tropeçar para tentar chegar a um sítio onde possam finalmente começar a olhar ainda mais longe. Não percebo esta (falta de) visão e este vazio de objectivos -frequentemente são pessoas que respeito e até admiro. Acho particularmente revoltante ver pessoas que abandonam o brio no trabalho para se focarem "no futuro", sem aparentemente compreender que se estão a rebaixar - um trabalho feito sem cuidado e interesse perde a nobreza e denota falta de humildade e respeito pelos colegas.

Para me refugiar desta febre (que também me pode atacar - ninguém é imune!) escolhi um trabalho que gostasse o suficiente para não recear ter que o fazer para o resto da minha vida (o que não quer dizer que o faça) nem que gostasse tanto que não conseguisse viver sem ele. Não tenciono chegar a uma posição de poder ou riqueza e valorizo de longe muito mais a opinião que as pessoas (que eu próprio valorizo) têm do meu trabalho do que a minha posição ou evolução futura - o que é algo que felizmente não precisa de mudar quer a minha carreira seja brilhante ou medíocre.

O peso da injustiça

Para mim o princípio fundamental é a justiça - tenho a certeza absoluta disto. Se pudesse escolher uma virtude fundamental que um mundo ideal teria que ter, seria sem dúvida nenhuma a justiça.

Uma vez tive uma conversa com uma amiga em que ela defendia que a virtude fundamental era a bondade (ou o amor fraternal). Não concordo - acho que a bondade pode ser distorcida e gerar injustiça, enquanto que a justiça nunca é má - apenas cega e fria. É muito fácil imaginar uma situação em que a bondade gera injustiça: uma mãe que é bondosa para os seus dois filhos, mas que trata um melhor que o outro está certamente a ser injusta - mesmo que seja uma boa mãe, pode gerar sentimentos de tristeza ou mesmo revolta (e sobretudo de injustiça) isto apesar de tratar ambos bem.

Já houve quem me dissesse que isto me fazia uma pessoa fria e sem sentimentos. Não concordo! A justiça está para lá dos sentimentos - está acima disso, é mais fundamental. Eu consigo ser simpático e justo, ou antipático e justo - são qualidades independentes. Os únicos problemas surgem quando o sentido de justiça entra em conflito com outros sentimentos - é nestas situações que sinto ainda estar longe do ideal.
Por outro lado se uma pessoa me trata com injustiça não me interessa que me esteja a tratar bem ou mal - estou a ser injustiçado e isso chega-me. Vou certamente reagir mal ao sentir o peso da injustiça a empurrar-me para baixo. Se alguém me favorece injustamente também não me serve - envergonhar-me-ei de não merecer as vantagens que recaem sobre mim e lembrar-me-ei sempre da injustiça por trás do que ganhei - de forma que o ganho irá lentamente perder valor e ganhar peso até se tornar num fardo.

Na realidade considero a justiça suprema como um nirvana - nunca hei de lá chegar, mas é para lá que quero ir. Chamem-me intrasigente, antipático, frio, elitista, intolerante ou insensível à vontade - desde que ninguém me diga que fui injusto fico satisfeito. É que a injustiça fica-me na consciência como os doces ficam no corpo: uns segundos nos lábios, uma vida inteira nas ancas.

Monday, March 12, 2007

Fotografia - o jogo de pares

2 igual no marcador.
Pelo grande pavilhão ressoa o barulho das outras mesas - bolas a bater em raquetes, mesas e chão, gritos de vitória, exclamações de fúria e desalento - a personalidade reflectida na forma de jogar de cada um dos jogadores.
Estamos no intervalo antes do quinto e decisivo set. Num canto da nossa área de jogo está a outra equipa a conferenciar com o treinador. Os nossos adversários têm um jogo parecido entre si- nota-se que estão habituados a jogar juntos - mas a postura é muito diferente, o que distorce a sua maneira de jogar, transformando-os em jogadores com características muito diferentes, que têm que ser contrariados de diferentes formas.
Um deles - um pouco mais experiente - está macambúzio, preocupado, irritado. Consegue vislumbrar a possibilidade da derrota, o que lhe está a estragar o jogo. É um jogador de defesa cuidadoso que joga para ganhar. Não gosto de quem joga para ganhar, embora me dê um prazer sádico vencer-lhes. O outro é mais novo, inexperiente - está a sempre rir-se de alegria. Ri quando ganha o ponto com uma boa jogada e continua a rir quando falha clarosomante uma bola fácil.
Gosto dele - gosto da postura dele. Não me importava de perder o jogo contra ele, mas contra o outro não - ao outro quero mesmo ganhar.
Noutro canto estamos nós, também a conferenciar. O meu colega é um pouco novo nestas andanças - a inexperiência lê-se-lhe nos movimentos ainda desajeitados. Cai frequentemente nas esparrelas que lhe estendem - mas não se importa. O que lhe falta em experiência compensa em coragem ingénua, fazendo pontos que ao fim de muitos anos ainda tenho medo de tentar. Neste momento está-se a rir - apesar de empatados, o jogo está a correr-nos bem. Gosto dele - gosto dele porque se estivéssemos a perder ele
também se estaria a rir - a rir dos pontos engraçados, dos pontos de sorte e de azar. Rir-se-ia da nossa azelhice tal como se ri agora do bom jogo que estamos a fazer. E
quer percamos ou ganhemos sei que vai saudar os adversários ainda com um sorriso sincero nos lábios.
Enquanto tento combinar uma estratégia para a última ronda (atacar? defender? apostar na azelhice dos outros, ou arriscar mais no jogo agressivo? Nunca tive muito jeito para esta avaliação) olho à volta e os meus olhos prendem-se no árbitro.
Está sentado numa pequena mesa não muito longe da mesa de jogo. É um sujeito magro e seco, com óculos e um bigode um pouco anacrónico. Já arbitrou jogos meus muitas vezes e é de certeza o árbitro que prefiro.Tem uma postura muito direita e correcta. O ar sempre sério de quem arbitra um encontro internacional. É perfeccionista, cuidadoso e sobretudo extremamente educado - talvez um pouco tímido.
Hoje está triste e chateado consigo próprio - há pouco enganou-se na ordem dos jogos e causou uma pequena confusão - nada de minimamente importante para o resultado final, mas o protocolo foi quebrado. Já nos pediu várias vezes desculpa, mas ainda não se desculpou. Acredito sinceramente (simultaneamente com pena e orgulho) que há-de ir para casa remoer o seu erro, apesar da sua irrelevância.
Não tem um braço - o direito, ainda por cima. Faz-me alguma confusão olhar para esta assimetria numa pessoa que vejo tão equilibrada. Sempre que a bola ressalta na sua direcção durante um jogo vou a correr apanhá-la, de forma a tentar evitar o embaraço e falta de jeito que usualmente lhe noto nestas situações. Quando não chego a tempo recuo, quase com medo de tocar-lhe no braço que nunca estaria lá. É curioso que ele próprio parece por vezes indeciso em escolher a mão com que há-de apanhar a bola para a devolver, mas parece-me já lhe ter vislumbrado por vezes uma mágoa íntima - talvez um suspiro de resignação - quando se convence que a escolha afinal é mais fácil do que deveria ser.
Apesar da minha curiosidade e interesse natural, nunca tive oportunidade (ou coragem?) de lhe perguntar nada. Não sei como é que se chama, como é que perdeu o braço nem como é que se veste de manhã - e gostava de saber. Provavelmente nunca vou conseguir saber porque é que...
Entretanto ele põe-se de pé e levanta os braços como se abrançando a mesa, anunciando o início do último set. Dirigimo-nos para as raquetes pousadas em cima da mesa ainda a discutir tácticas. Será que ainda vamos ganhar?

O que é que isso interessa?

Friday, March 9, 2007

Introspecção - meritocracia

Uma das palavras que acho que me define bastante bem é "meritocrata". É uma filosofia de vida que levo muito a sério e que me traz alguns benefícios - bem como alguns custos.

Em termos históricos a primeira vez que esta palavra apareceu no léxico comum foi num conto futurista sobre uma distopia (o contrário de utopia - estilo "brave new world")
chamado "Rise of the Meritocracy", onde a palavra meritocracia designava a estrutura política da sociedade vigente. Este conto foi escrito em 1958 e durante muito tempo a palavra foi usada num sentido pejorativo (para muitas pessoas ainda hoje tem uma carga muito negativa, sendo frequentemente associada com elitismo e/ou nepotismo).

Um meritocrata acredita sobretudo que as pessoas são todas diferentes - sobretudo em termos de valor - e que esse valor deve ser atribuído de acordo com o mérito. Uma consequência interessante e muito importante é que um meritocrata acredita e aceita a existência de uma hierarquia - aliás, a hierarquia é uma parte IMPORTANTE e INEVITÁVEL do seu sistema.
Em termos pessoais este facto faz com que eu lide muito bem com o facto de ter superiores hierárquicos - DESDE QUE lhes reconheça valor. Por outro lado superiores hierárquicos sem mérito são uma aberração no meu sistema - normalmente percepcionada por mim como uma injustiça que torna muito difícil a minha aceitação dessa pessoa como meu superior.
É também interessante notar que não tenho qualquer problema com a alternância de posições na hierarquia em diferentes situações - basicamente quem manda é quem sabe mais, e eu posso saber mais na situação A e menos na situação B que outra pessoa, pelo que as nossas posições hierarquicas relativas podem variar. Acredito que este facto (e sobretudo o facto de ter consciência dessa possível alternância) me ajuda a ser mais respeitador em relação a "subalternos" uma vez que considero sempre a hipótese de em algumas situações eu ter menos mérito que a outra pessoa e passar eu a seu "subalterno" (não faças aos outros...).

Para muitas pessoas (e foi um tema sob o qual reflecti durante algum tempo até conseguir tomar uma posição) existe alguma contradição num sistema de "hierarquia libertária", uma vez que uma pessoa sujeita a uma hierarquia perde liberdade. Existem mesmo várias correntes libertário-anárquicas que apontam este facto como a sua principal razão de ser.
Eu tenho tendência para ver as relações hierarquicas mais num sentido de professor-aluno do que num de chefe-subordinado. Para mim um "chefe" é alguém que tem uma visão de conjunto mais completa que a minha e que portanto me pode ORIENTAR os esforços de uma forma mais produtiva para o todo. Uma perda de liberdade ocorre apenas quando um superior hierárquico tenta influenciar a minha forma de agir dentro da minha esfera de competência (e fora da dele) -e não quando ele me influencia o comportamento.
Desta forma de ver a relação entre diferentes camadas hierárquicas surge um certo paternalismo que já me apontaram (e que reconheço) - a minha interpretação é que o que acontece é que não tenho qualquer problema em assumir uma postura condizente quando sinto que estou numa posição mais alta na hierarquia, usando (descuidadamente) uma linguagem de certa forma proteccionista e/ou professoral, o que por vezes pode ser mal recebido pelas outras pessoas. Evidentemente também não tenho problemas em reconhecer e sujeitar-me em situações em que me sinto mais abaixo na hierarquia (embora não suporte ser alvo de paternalismo por pessoas a quem não reconheça valor).

Um dos problemas reconhecidos na meritocracia é a necessidade de existênca de uma entidade avaliadora do mérito, o que pode levar a situações de nepotismo ou cronyismo ("aportuguesei" esta palavra do inglês "cronyism", que significa qualquer coisa como "compadrio" - http://en.wikipedia.org/wiki/Cronyism).
É um problema que faço muito esforço por evitar - normalmente não sou capaz de dar razão a um amigo que ache que não a merece, e esforço-me (por vezes sem sucesso) por avaliar as pessoas por aquilo que fazem e não por serem quem são.

Um custo de ser meritocrata tem a ver com as recompensas imerecidas: não gosto de ser favorecido sem o merecer - nunca joguei no totoloto por uma questão de princípio (e também porque percebo alguma coisa de matemática), embora por vezes pense que nunca joguei por ter medo de ganhar. Também não concordo com heranças familiares (embora não tenha "merecido" metade da casa onde habito - um problema moral intrincado que ainda não resolvi completamente) - basicamente acredito no prazer de disfrutar dos proventos do trabalho e do esforço pessoal como sendo uma recompensa por si só: tudo o que recebo imerecidamente vem automaticamente desvalorizado pelo meu "câmbio ético".

Wednesday, March 7, 2007

Introspecção - como escolho as pessoas que me rodeiam?

Durante uma fase um pouco mais complicada da minha vida vi-me na necessidade de fazer uma instrospecção para me conhecer melhor, para definir um novo rumo a seguir e para aproveitar tentar mudar o que não gostasse. Dessa auto-análise surgiu um conjunto de conhecimentos sobre mim próprio que passei a usar no dia-a-dia para me manter coerente e seguro e que também uso como extrapolação na análise que faço dos outros para os compreender melhor - "conhece-te para conheceres os outros".

Uma das coisas que procurei perceber foi precisamente: como é que eu avalio as pessoas que me rodeiam? Como é que escolho os amigos? O que é que me atrai ou repele numa pessoa?

A primeira coisa que percebi foi que as minhas reacções eram instintivas - eu gostava (ou não) das pessoas frequentemente antes mesmo de as conhecer. Este foi um comportamento que tentei mudar - hoje em dia ainda tenho uma reacção instintiva imediata, mas em vez de a seguir tento guardar esta reacção subconsciente na minha parte racional para mais tarde tentar perceber porque é que apareceu, enquanto adopto uma atitude mais reservada e introvertida que me permita virar as costas ou seguir em frente.Comecei a adoptar este novo comportamento para tentar obter o melhor dos dois mundos: por um lado evito (ou tento evitar) os problemas que vejo nas pessoas sanguíneas - conclusões precipitadas, reacções a quente - e por outro não desprezo os instintos "animais" que frequentemente me dão boas indicações que merecem ser pelo menos ouvidas.

Há que dizer que a análise consciente e racional de uma pessoa é algo que faço quase sempre que conheço alguém, ou quando alguém faz algo com que eu não estava a contar. No entanto esta análise é demorada e normalmente tenho que a fazer num ambiente de relativa calma, frequentemente a posteriori para estar fora do calor do momento (que por vezes me pode toldar o raciocínio).
Esta demora na tomada de decisões é frequentemente inaceitável no contacto social comum, pelo que tenho que adoptar uma postura temporária enquanto não sou capaz de decidir o que acho de alguém. É nestas situações que tento usar o instinto subconsciente (sempre refreado pelos princípios de conduta racionais), de forma a ter uma orientação numa altura em que não consigo ter uma resposta racional fiável.

Quanto à forma como valorizo as pessoas: a minha descoberta fundamental foi que percebi que dividia (subconscientemente - hoje faço-o racionalmente de forma a tentar manter os instintos "alinhados" com o raciocínio) as qualidades das pessoas em três categorias.
Quando conheço uma pessoa tenho caracterizá-la em cada uma destas três categorias, de forma a decidir que tipo de pessoa é e que tipo de relação acho aceitável com essa pessoa:


O terceiro grupo de qualidades (em termos de importância) tem a ver com a simpatia, a meiguice, a bondade, o altruísmo. Uma pessoa que possui estas qualidades em quantidade é uma pessoa "simpática" ou "agradável". Não é uma qualidade fundamental - conheço algumas pessoas que considero bons amigos e que não são normalmente particularmente simpáticas ou agradáveis, mas considero uma qualidade importante e que sobretudo tem muito impacto na dinâmica de grupo em que estão inseridas.

O segundo grupo de qualidades tem a ver com a inteligência, a esperteza, o desembaraço e capacidade intelectual. Pessoas que possuem estas qualidades são "interessantes", em oposição às "superficiais" ou "desinteressantes". Dificilmente uma pessoa desinteressante se consegue aproximar muito de mim - não tenho muitos amigos próximos que não considere interessantes - embora não tenha qualquer problema em ter uma relação "social" normal com pessoas que
considere superficiais ou desinteressantes. São pessoas com as quais eu não procuro muito contacto, mas das quais também não fujo.

O primeiro grupo de qualidades tem a ver com a conduta moral - a honestidade, o sentido de justiça, a existência de uma ética que é seguida escrupulosamente.Uma pessoa que possua estas qualidades é alguém "de confiança". Alguém que não possua de todo estas qualidades serão normalmente "parasitas" ou simplesmente "alguém em que não confio".
As pessoas que possuem estas qualidades são as que mais valorizo - todas as pessoas que admiro têm padrões morais que considero muito elevados, e todos os meus amigos mais próximos têm a minha absoluta confiança (o que por um lado pode não ser muito bom, porque acabo por esperar muito deles e decepciono-me facilmente). As pessoas com quem procuro contacto mais próximo também têm de ser minimamente de confiança.

É de salientar que o código de regras seguido por uma pessoa não precisa de ser igual ao meu para que a pessoa tenha a minha confiança - tenho apenas que o considerar válido e tem que ser seguido integralmente, de forma que a pessoa seja previsível o suficiente. Evidentemente uma pessoa cujo código de conduta seja "eu à frente de tudo" é previsível, mas por muito escrupulosamente que esta ética seja seguida dificilmente a considerarei uma pessoa de confiança.

Uma curiosidade: há algum tempo atrás descobri (nos Analectos) que o confucionismo apresenta um conjunto de valores muito semelhantes a estes, com a diferença que a conduta moral é substituída pela "educação". No entanto esta descoberta já foi posterior a esta análise e portanto não teve qualquer influência a priori.

Tuesday, March 6, 2007

Economia - breve história do QWERTY (II)

Em meados do século XX um inventor chamado Anton Dvorak afirmou ter concebido um teclado científicamente superior ao QWERTY. Este teclado dá pelo nome do seu inventor e é consideravelmente diferente na disposição das teclas, sendo que foi desenhado não para evitar problemas mecânicos mas segundo os conceitos de ergonomia vigentes (e ainda hoje aceites) de meados do século XX.
Apesar de não se ter ainda conseguido provar que o teclado é de facto melhor em termos práticos, existem alguns estudos preliminares (bastante contestados, visto que foram conduzidos pelo próprio Dvorak em condições consideradas dúbias) que parecem apontar para uma pequena vantagem - e várias pessoas afirmam que em termos puramente teóricos o teclado é efectivamente melhor. Acontece que apesar dos esforços do seu inventor este teclado não conseguiu ser aceite pelo mercado (a não ser por uma pequena comunidade de aficionados) por uma razão muito simples: ninguém quer assumir o custo de abandonar o QWERTY e abraçar um teclado completamente diferente. Fazê-lo acarretaria um custo de reconversão do hardware, para além de um período de adaptação em que as pessoas seriam mais lentas e produziriam com menos qualidade. Assim, o QWERTY vai perdurando (aparentemente) por gerações.

Ora acontece que por volta de 1985 um economista (David) escreveu um artigo muito influente relacionado com falhas na forma como a economia de mercado funciona - e o principal caso que ele apontou em defesa da sua teoria seria precisamente o caso do QWERTY.Segundo este economista o teclado venceu (e continua a vencer) no mercado não porque seja melhor, mas porque tem um historial por trás. Evidentemente que ele escolheu a primeira versão da história para suportar as suas ideias - afinal, segundo esta versão o produto teria sido criado com uma finalidade (resolver um problema mecânico através da imposição de uma escrita mais lenta) oposta às necessidades actuais (escrever depressa). O sucesso do QWERTY não se deveria à qualidade do produto, mas ao facto de estar associado a outro produto (a máquina de escrever comercializada pela Remington que durante muito tempo dominou o mercado) que era superior aos outros produtos que competiam. Segundo ele, o que ganhou a batalha no mercado foi a máquina de escrever e não o teclado - que aproveitou a boleia e (ainda mais fantástico) sobreviveu à própria máquina de escrever.
Em 1999 dois outros economistas (Liebowitz e Margolis http://wwwpub.utdallas.edu/~liebowit/keys1.html) refutaram este artigo, sendo que um dos principais contra-argumentos era precisamente a incorrecção história - ou seja, defendendo a SEGUNDA versão. A diferença da versão é muito importante porque assim é muito mais difícil
demonstrar que o produto é inferior a outros produtos concorrentes - afinal, é bem possível que a optimização da máquina ande de mãos dadas com a optimização da sua utilização, enquanto que segundo a primeira versão o teclado seria sido construído DELIBERADAMENTE pior por razões técnológicas.

Mas afinal o que é que está em jogo? Porquê esta discussão? Porque é que David levantou este tema e porque é que é tão importante?

Bem, segundo a teoria económica dita "clássica" o mercado vai-se adaptando sozinho, rejeitando automaticamente produtos inferiores em favor de produtos superiores, de forma a fornecer ao consumidor o melhor produto possível (ou segundo outras correntes, o melhor produto NECESSÁRIO para satisfazer o consumidor).
Existem no entanto algumas razões para que isto não aconteça sempre - em que um produto inferior vence, essencialmente devido a questões históricas - eis as três debatidas por David, Liebowitz e Margolis:

- Influência da existência de uma rede de utilizadores de um produto, em que a escolha de uma pessoa é influenciada pela existência prévia de um conjunto de utilizadores que já utilizam esse produto. Um excelente exemplo português em que isto foi evidente foi a dificuldade inicial de outras operadoras telefónicas conquistarem mercado à TMN, pela simples razão (puramente histórica - ou seja, independente da qualidade do produto) que esta já detinha uma rede de utilizadores devido ao seu monopólio temporário.
- Influência do caminho seguido para chegar ao produto final - em que a forma final do produto resulta não de um estudo efectivo da forma mais eficiente e "melhor", mas sim da forma escolhida para criar o produto. Um exemplo deste problema seria por exemplo os disputados standards de HTML, que não foram desenhados desde o princípio mas foram evoluíndo até chegarem a um estado final bastante confuso e sub-óptimo (embora toda a internet viva à sua custa).
- Existência de produtos sub-óptimos estáveis e firmados no mercado (máximos locais) que impossibilitam a adopção de soluções melhores por questões (essencialmente) de custos de transição ou de pura inérica (que também acaba por ser um custo de transição).
Ora, tanto David como Liebowitz e Margolis reconhecem estes problemas e endereçam-nos nos seus artigos. No que eles não concordam
(http://www.utdallas.edu/~plewin/QWERTY%20condensed.pdf) é sobre o que se deve fazer em relação a isso:

David é a favor de uma intervenção do estado sobre o mercado de forma a tentar "desmanchar" e evitar máximos locais, enquanto que Liebowitz e Margolis são a favor de que se o próprio mercado não responde então é porque efectivamente não há vantagem suficiente no produto para justificar a sua adopção. Segundo eles a influência do estado cria condições artificiais que vão contra as regras da economia de mercado e pode dar origem a erros grosseiros, uma vez que frequentemente é impossível para uma autoridade central saber qual é efectivamente o melhor produto.
É possível que pessoas que trabalhem na mesma área que eu já estejam a ver mais outra pérola a surgir: de facto estes argumentos estão no centro da argumentação sobre o caso antitrust da microsoft, em que o estado influenciou o mercado tentando romper uma vantagem competitiva decorrente não da qualidade de um produto mas de razões históricas e de uma tentativa de alavancar um produto através de outro (tal como aconteceu com a máquina de escrever/teclado QWERTY).

Conclusão:
Olhando para as datas (século XIX, meados do século XX, 1985 , 1999) uma pessoa pode pensar - mas e que relevância poderá ter isto no século XXI?

Considerem então as seguintes perguntas:

- Qual seria o custo de converter toda a infraestrutura existente hoje em dia à volta da gasolina/gasóleo por uma infraestrutura à base de uma energia alternativa?
- Qual seria a reacção do mercado em adoptar uma alteração desta dimensão?
- Qual deveria ser a posição do estado nesta eventual transição?

Isto para não falar dos antitrust contra a microsoft, que ainda são notícia por esse mundo fora.

Nota: não deixa de ser interessante notar que nas minhas buscas cheguei ao antitrust da microsoft a partir do QWERTY e não ao contrário... Confesso que para mim foi uma verdadeira epifania encontrar estas relações entre histórias aparentemente tão pouco relacionadas.

Economia - breve história do QWERTY (I)

Acho muito interessante tentar chegar ao âmago das pequenas histórias - ocasionalmente acontece encontrarmos uma pequena pérola num sítio completamente inesperado. Por vezes atrás dessa pérola acaba por vir um colar inteiro agarrado:


Em meados do século XIX Christopher Sholes inventou a primeira máquina de escrever tal como a conhecemos hoje. Para criar o teclado, Sholes começou por dispor todas as letras e números numa só fiada por ordem alfabética. Ao fazer isto deparou-se com um problema - por vezes os tipos (os pequenos martelos que batiam na folha para imprimir as letras) emperravam uns nos outros.
A razão deste problema e a respectiva solução são hoje em dia origem de grande debate.Existem duas versões desta parte da história:

Segundo uma das versões a primeira máquina de escrever tinha alguns problemas de ergonomia, que fazia com que os tipos se enganchassem uns nos outros se o escritor fosse
muito rápido. Para resolver este problema, Sholes procurou uma forma de obrigar o escritor a escrever mais devagar inventando um teclado mais lento, confuso e difícil de memorizar. Assim sendo, ironicamente os teclados que temos nos nossos computadores digitais actuais teriam sido desenhados para atrasar o escritor de forma a evitar falhas mecânicas que hoje já não existem.

Acho esta versão muito engraçada e durante muito tempo contei-a como sendo factual, mas entretanto descobri que existe uma segunda versão:

Segundo esta outra versão realmente existiam alguns problemazitos de engachamento nos tipos, mas que aconteciam apenas quando eram usados sequencialmente tipos muito próximos uns dos outros. Devido à engenharia da máquina, a proximidade dos tipos estava directamente relacionada com a proximidade das teclas no teclado, pelo que afastar os tipos que batiam sequencialmente equivalia a afastar as letras que se usavam sequencialmente.
Sholes encomendou então um estudo de frequência, encontrou as letras que apareciam mais vezes umas a seguir às outras na língua inglesa e colocou-as o mais afastadas possível no teclado.


O que é um facto em ambas as versões é que ele partiu aquela linha única de letras e números ordenados por ordem alfabética em quatro linhas e espalhou as letras mais frequentes pelo teclado. Diz-se que a segunda linha a contar de baixo tem as letras "dfghjkl" por ordem (quase) alfabética porque era a linha única original de onde ele tirou as restantes letras, enquanto que a terceira linha ("qwertyuiop") tem exactamente as letras necessárias para que um vendedor pudesse facil e rapidamente escrever "typewriter" para impressionar os seus clientes com a facilidade e velocidade de uso.

A segunda versão da história não é menos irónica e curiosa que a primeira: segundo as teorias contemporâneas sobre ergonomia uma das principais formas de maximizar a cadência de escrita é precisamente fazer com que as mãos escrevam o mais alternadamente possível, de forma a que enquanto um dedo de uma mão bate numa tecla, um dedo da outra mão esteja já a deslocar-se para a letra seguinte. Assim sendo, o facto de Sholes afastar os tipos - e consequentemente as letras - de forma a optimizar o funcionamento da máquina, acabou por inadvertidamente optimizar a utilização das mãos da pessoa que a utiliza.

Bem - o tempo foi passando, as máquinas de escrever foram-se espalhando pelo mundo e alguns países começam a perceber que o que é verdade nos estados unidos pode não ser verdade noutros lados. Sim senhora o QWERTY é muito bom, mas em Francês ou Português a frequência e utilização das letras é diferente e portanto há espaço para melhorar o teclado. Juntando a esta oportunidade de melhoria alguns sentimentos nacionalistas alguns países decidiram-se então a criar os seus próprios teclados numa tentativa de repelir os teclados anglo-saxónicos. É assim que surge o AZERT em frança ou o nosso esquecido HCESAR do tempo do antigo regime.
Mais tarde os sentimentos nacionalistas foram ultrapassados pelos raciocínios económicos. Numa época em que começam a aparecer os computadores os estados unidos começam a exportar hardware em maior quantidade, forçando os teclados QWERTY ao resto do mundo. Com apenas algumas localizações para caracteres inexistentes em inglês, os países acabam por (ter que) aceitar as vantagens da normalização e o QWERTY acaba por dominar.

Eu acho que se esta história acabasse aqui já seria algo que valeria a pena pôr num blog, mas ainda existem umas convoluções que merecem ser contadas (e pensadas)

(continua no próximo post)

Monday, March 5, 2007

Política em duas e três dimensões

Este post foi inspirado no seguinte (excelente) link: http://www.friesian.com/quiz.htm
Quem quiser pode encontrar lá uma explicação mais detalhada do que aqui falo.

Existem pessoas que sabem sempre em que partido votar, outras que votam consoante gostam ou não das pessoas envolvidas e não nos partidos.
Eu nunca conheci suficientemente bem um político como pessoa para confiar-lhe o meu voto, pelo que a minha tendência natural é votar em partidos ou mais concretamente nas IDEIAS defendidas por esses partidos.
Desta forma de pensar surgiu um problema que tive (ainda tenho!) grande parte da minha vida: qual é o partido que está mais próximo das minhas ideias? Não só não consigo identificar-me com nenhum partido mas - mais grave ainda - não me consigo definir sequer como sendo de esquerda ou direita. Ainda não resolvi o problema, mas o link que apresentei no início deu-me uma imagem do porque é que acontece, o que me dá alguma paz de espírito:

Normalmente o espectro político estende-se ao longo de um eixo a uma dimensão, o que normalmente conduz a uma bipolaridade partidária: liberais/conservadores,
democratas/republicanos, trabalhistas/conservadores - enfim esquerda OU direita.
O meu problema é que em algumas questões - por exemplo o aborto ou a eutanásia - levam-me a pender mais para a esquerda, enquanto que noutras - a minha opinião sobre sindicatos ou legislação laboral - levam-me a pender mais para a direita, o que conduz à tal indefinição.

Pensemos agora no espectro político não como uma linha com uma dimensão, mas sim como um plano com duas, em que num dos eixos estão as liberdades individuais e no outro as liberdades económicas. Estes eixos são ortogonais (perpendiculares) em si, de forma que precisamos de duas coordenadas para nos identificarmos neste referencial - já não basta dizer sou de esquerda/direita, mas é necessário dizer - sou a favor de muita/pouca liberdade em termos individuais e a favor de muita/pouca liberdade em termos económicos.

Com esta divisão é possível criar cinco grupos de pessoas:

- Liberais: pessoas que acreditam em muita liberdade individual mas pouca liberdade económica. Um exemplo de um liberal seria uma pessoa com convicções comunistas.
- Conservadores: pessoas que acreditam em pouca liberdade individual e muita liberdade económica. Um exemplo de um conservador seria uma pessoa percentente ao nosso CDS.
- Autoritários: pessoas que acreditam em poucas liberdades. Um exemplo seria uma pessoa com tendências fascistas.
- Libertários: pessoas que acreditam em muitas liberdades. Um exemplo seria uma pessoa com tendências anarquistas
- Centristas: pessoas que estão mais ou menos a meio do espectro.

Notas:
- Nem todos os liberais são comunistas, nem todos os libertários são anarquistas, etc!!!!
- Na sociedade actual a liberdade é normalmente vista como algo bom, e a falta de liberdade como algo mau. Isto pode levar uma pessoa a pensar que ser libertário é que é "bom", enquanto que ser autoritário é "mau" - o que é completamente errado. Esta divisão não pretende separar os "bons" dos "maus", apenas identificar tendências e opiniões!!!

Esta divisão do espectro político permite-me definir-me com muita clareza - apesar de não ser um extremista, sou claramente um libertário. Acredito em muita liberdade tanto em termos individuais (e daí frequentemente concordar com a visão do BE ou do PC) como em termos económicos (e daí por vezes concordar com o CDS ou com o PSD).


A certa altura assustei-me ao pensar o seguinte: que me separa de um anarquista? Em termos de duas dimensões temos ideias MUITO parecidas, embora seja uma corrente com a
qual claramente não me identifico.

Daqui surge a terceira dimensão: imaginemos agora que temos uma dimensão adicional, que mede a forma como uma pessoa acha que o poder deve ser exercido - se o poder deve ser exercido apenas por uma pessoa (monarquia/ditadura), por um grupo pequeno (oligarquia), pela maioria (democracia) ou por todos (anarquia).

Na realidade (e apesar de isto cair mal em alguns círculos) em termos ideológicos para mim o regime político ideal seria uma ditadura iluminada - um regime político em que o poder é exercido por uma só pessoa, que no entanto permite bastantes liberdades aos indivíduos. Os ditadores iluminados são raros - houveram alguns durante o século XIX - e é um regime que tem tendência para colapsar com facilidade para uma ditadura não-iluminada (tirania) sob o peso da sociedade ou de condições externas. Adicionalmente é altamente dependente do ditador - de uma só pessoa- e portanto frágil como sistema no sentido que a sucessão é normalmente problemática.
Assim sendo em termos práticos acabo por tender mais para uma democracia de maioria, em que existe um indivíduo/conjunto de indivíduos eleitos pelas massas que consegue exercer a sua opinião durante um mandato (como tem acontecido com o governo actual), sendo dada a oportunidade à sociedade de escolher outro no fim desse termo.

Moral - devemos ser todos "bons"?

Este post foi inspirado no seguinte link: http://www.friesian.com/valley/dilemmas.htm#1
Os mais interessados poderão encontrar lá mais alguns pontos de vista que não apresento aqui.


Uma pessoa sai de casa e vai passear pelo cais. A meio do passeio vê alguém que caíu à água a debater-se - é bastante evidente que se vai afogar, uma vez que não está mais ninguém por perto e que está em dificuldades. O nosso passeante analisa a situação - ele nada perfeitamente e sabe que consegue salvar a pessoa com pouco risco para si próprio. Por outro lado ele não se quer molhar: está frio, ele não quer estragar a roupa - simplesmente não lhe apetece ir para a água - e decide ir-se embora pensando que não tem nada a ver com aquilo.

A questão é - esta pessoa tinha a obrigação moral de salvar o afogado? Se sim, teria uma obrigação legal? Deveria ser condenado num tribunal?


Já pus este problema a alguns amigos e acho sempre curiosa a reacção. Aqueles a quem coloquei este dilema começaram a tentar encontrar um nome para o crime - assumiram logo que se tratava de um crime - mas tiveram alguma dificuldade em responder a esta questão, e vacilaram bastante sobretudo depois de eu fazer a pergunta que eu apresento no fim do post.

Uma das sugestões foi que seria um homicídio por negligência, mas na minha forma de ver a negligência parte do pressuposto de que existe uma obrigação profissional não (ou mal) cumprida - quando na realidade o passeante não é nadador salvador e portanto não tem uma obrigação profissional para com o afogado.


Sinceramente não sei (e gostaria muito de saber) se este tipo de situações está previsto no nosso código penal, mas na minha opinião embora exista uma obrigação moral não deve existir uma obrigação legal. Acho que a ajuda aos outros não deve ser obrigatória e que cada um deve ser livre de dizer que não quer ajudar. Para mim cada um tem (deve ter) o seu código moral - que pode ser diferente do da sociedade - e tem direito a comportar-se segundo esse código desde que não faça nada que vá contra o código legal vigente. Acho que o desinteresse e o eremitismo social não devem ser combatidos através da punição legislativa, mas sim através de meios de acção/formação social - no entanto cada pessoa deve ter o direito a viver na sua concha e em isolamento se assim o desejar, mesmo que isso provoque uma degradação dos valores e da coesão sociais. Preferiria combater esse isolacionismo através de incentivos (o nosso passeante poderia saber que receberia um prémio monetário, uma medalha ou uma simples menção honrosa no jornal da sua terra) em vez de punições.

Já agora - para quem acha que existe uma obrigação legal - e deveria haver uma punição semelhante para quem vê pessoas a morrer à fome na televisão e não faz nada para tentar ajudá-las?