Um destes dias disse a um amigo: "Falas muito da carreira e pouco do trabalho". Foi uma frase deliberadamente injusta e irónica para provocar uma reacção e não consegui arrancar muito mais que um sorriso. Foi uma frase injusta não por ele não ser (demasiadamente) preocupado com a sua carreira, mas porque sei que se preocupa - e muito - com a qualidade do trabalho que faz (espero que os seus princípios nunca venham a ter que se defrontar com a ambição - mas isso é outra história).
No sítio onde trabalho as pessoas dão muita (demasiada) importância à "carreira". É um sítio competitivo, onde as pessoas são normalmente ambiciosas e têm tendência para pensar longe no futuro. Pelo que vejo é uma tendência que se tem espalhado nos últimos tempos pelo "mercado". Eu não acho isto particularmente mau. Por vezes a competitividade é dirigida na direcção errada, mas fora isso (que não acontece sempre) até acho saudável um certo nível de competitividade e certamente acho muito bom pensar-se em termos futuros. O que acho negativo (e cada vez mais noto isso) é a dificuldade que noto nas outras pessoas em perceber que:
- Para chegar ao futuro é preciso passar primeiro pelo presente
- O objectivo da vida não é chegar ao fim
Evidentemente que posso ser simplesmente eu que tenho uma visão diferente, mas estes dois princípios parecem-me tão evidentes que tenho dificuldade em imaginar argumentação que se possa usar para os contrariar. Podem parecer um bocado cliché naive - e realmente quando digo coisas como: "ganho mais do que o que preciso para viver" ou simplesmente "gosto do que faço - não queria fazer outra coisa" por vezes sinto-me olhado como um bicho raro (e ingénuo). Outras vezes olham para mim com inveja - não sei se da minha posição se da minha ingenuidade - sem que o interlocutor sequer se dê ao trabalho de pensar que se calhar já tem tudo o que precisa, tão ocupado está a pensar no que ainda pode vir a ter.
Quando olhamos para o horizonte frequentemente não vemos onde pomos os pés - por vezes imagino as pessoas a tropeçar para tentar chegar a um sítio onde possam finalmente começar a olhar ainda mais longe. Não percebo esta (falta de) visão e este vazio de objectivos -frequentemente são pessoas que respeito e até admiro. Acho particularmente revoltante ver pessoas que abandonam o brio no trabalho para se focarem "no futuro", sem aparentemente compreender que se estão a rebaixar - um trabalho feito sem cuidado e interesse perde a nobreza e denota falta de humildade e respeito pelos colegas.
Para me refugiar desta febre (que também me pode atacar - ninguém é imune!) escolhi um trabalho que gostasse o suficiente para não recear ter que o fazer para o resto da minha vida (o que não quer dizer que o faça) nem que gostasse tanto que não conseguisse viver sem ele. Não tenciono chegar a uma posição de poder ou riqueza e valorizo de longe muito mais a opinião que as pessoas (que eu próprio valorizo) têm do meu trabalho do que a minha posição ou evolução futura - o que é algo que felizmente não precisa de mudar quer a minha carreira seja brilhante ou medíocre.
No comments:
Post a Comment