Uma das palavras que acho que me define bastante bem é "meritocrata". É uma filosofia de vida que levo muito a sério e que me traz alguns benefícios - bem como alguns custos.
Em termos históricos a primeira vez que esta palavra apareceu no léxico comum foi num conto futurista sobre uma distopia (o contrário de utopia - estilo "brave new world")
chamado "Rise of the Meritocracy", onde a palavra meritocracia designava a estrutura política da sociedade vigente. Este conto foi escrito em 1958 e durante muito tempo a palavra foi usada num sentido pejorativo (para muitas pessoas ainda hoje tem uma carga muito negativa, sendo frequentemente associada com elitismo e/ou nepotismo).
Um meritocrata acredita sobretudo que as pessoas são todas diferentes - sobretudo em termos de valor - e que esse valor deve ser atribuído de acordo com o mérito. Uma consequência interessante e muito importante é que um meritocrata acredita e aceita a existência de uma hierarquia - aliás, a hierarquia é uma parte IMPORTANTE e INEVITÁVEL do seu sistema.
Em termos pessoais este facto faz com que eu lide muito bem com o facto de ter superiores hierárquicos - DESDE QUE lhes reconheça valor. Por outro lado superiores hierárquicos sem mérito são uma aberração no meu sistema - normalmente percepcionada por mim como uma injustiça que torna muito difícil a minha aceitação dessa pessoa como meu superior.
É também interessante notar que não tenho qualquer problema com a alternância de posições na hierarquia em diferentes situações - basicamente quem manda é quem sabe mais, e eu posso saber mais na situação A e menos na situação B que outra pessoa, pelo que as nossas posições hierarquicas relativas podem variar. Acredito que este facto (e sobretudo o facto de ter consciência dessa possível alternância) me ajuda a ser mais respeitador em relação a "subalternos" uma vez que considero sempre a hipótese de em algumas situações eu ter menos mérito que a outra pessoa e passar eu a seu "subalterno" (não faças aos outros...).
Para muitas pessoas (e foi um tema sob o qual reflecti durante algum tempo até conseguir tomar uma posição) existe alguma contradição num sistema de "hierarquia libertária", uma vez que uma pessoa sujeita a uma hierarquia perde liberdade. Existem mesmo várias correntes libertário-anárquicas que apontam este facto como a sua principal razão de ser.
Eu tenho tendência para ver as relações hierarquicas mais num sentido de professor-aluno do que num de chefe-subordinado. Para mim um "chefe" é alguém que tem uma visão de conjunto mais completa que a minha e que portanto me pode ORIENTAR os esforços de uma forma mais produtiva para o todo. Uma perda de liberdade ocorre apenas quando um superior hierárquico tenta influenciar a minha forma de agir dentro da minha esfera de competência (e fora da dele) -e não quando ele me influencia o comportamento.
Desta forma de ver a relação entre diferentes camadas hierárquicas surge um certo paternalismo que já me apontaram (e que reconheço) - a minha interpretação é que o que acontece é que não tenho qualquer problema em assumir uma postura condizente quando sinto que estou numa posição mais alta na hierarquia, usando (descuidadamente) uma linguagem de certa forma proteccionista e/ou professoral, o que por vezes pode ser mal recebido pelas outras pessoas. Evidentemente também não tenho problemas em reconhecer e sujeitar-me em situações em que me sinto mais abaixo na hierarquia (embora não suporte ser alvo de paternalismo por pessoas a quem não reconheça valor).
Um dos problemas reconhecidos na meritocracia é a necessidade de existênca de uma entidade avaliadora do mérito, o que pode levar a situações de nepotismo ou cronyismo ("aportuguesei" esta palavra do inglês "cronyism", que significa qualquer coisa como "compadrio" - http://en.wikipedia.org/wiki/Cronyism).
É um problema que faço muito esforço por evitar - normalmente não sou capaz de dar razão a um amigo que ache que não a merece, e esforço-me (por vezes sem sucesso) por avaliar as pessoas por aquilo que fazem e não por serem quem são.
Um custo de ser meritocrata tem a ver com as recompensas imerecidas: não gosto de ser favorecido sem o merecer - nunca joguei no totoloto por uma questão de princípio (e também porque percebo alguma coisa de matemática), embora por vezes pense que nunca joguei por ter medo de ganhar. Também não concordo com heranças familiares (embora não tenha "merecido" metade da casa onde habito - um problema moral intrincado que ainda não resolvi completamente) - basicamente acredito no prazer de disfrutar dos proventos do trabalho e do esforço pessoal como sendo uma recompensa por si só: tudo o que recebo imerecidamente vem automaticamente desvalorizado pelo meu "câmbio ético".
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