Tuesday, March 6, 2007

Economia - breve história do QWERTY (I)

Acho muito interessante tentar chegar ao âmago das pequenas histórias - ocasionalmente acontece encontrarmos uma pequena pérola num sítio completamente inesperado. Por vezes atrás dessa pérola acaba por vir um colar inteiro agarrado:


Em meados do século XIX Christopher Sholes inventou a primeira máquina de escrever tal como a conhecemos hoje. Para criar o teclado, Sholes começou por dispor todas as letras e números numa só fiada por ordem alfabética. Ao fazer isto deparou-se com um problema - por vezes os tipos (os pequenos martelos que batiam na folha para imprimir as letras) emperravam uns nos outros.
A razão deste problema e a respectiva solução são hoje em dia origem de grande debate.Existem duas versões desta parte da história:

Segundo uma das versões a primeira máquina de escrever tinha alguns problemas de ergonomia, que fazia com que os tipos se enganchassem uns nos outros se o escritor fosse
muito rápido. Para resolver este problema, Sholes procurou uma forma de obrigar o escritor a escrever mais devagar inventando um teclado mais lento, confuso e difícil de memorizar. Assim sendo, ironicamente os teclados que temos nos nossos computadores digitais actuais teriam sido desenhados para atrasar o escritor de forma a evitar falhas mecânicas que hoje já não existem.

Acho esta versão muito engraçada e durante muito tempo contei-a como sendo factual, mas entretanto descobri que existe uma segunda versão:

Segundo esta outra versão realmente existiam alguns problemazitos de engachamento nos tipos, mas que aconteciam apenas quando eram usados sequencialmente tipos muito próximos uns dos outros. Devido à engenharia da máquina, a proximidade dos tipos estava directamente relacionada com a proximidade das teclas no teclado, pelo que afastar os tipos que batiam sequencialmente equivalia a afastar as letras que se usavam sequencialmente.
Sholes encomendou então um estudo de frequência, encontrou as letras que apareciam mais vezes umas a seguir às outras na língua inglesa e colocou-as o mais afastadas possível no teclado.


O que é um facto em ambas as versões é que ele partiu aquela linha única de letras e números ordenados por ordem alfabética em quatro linhas e espalhou as letras mais frequentes pelo teclado. Diz-se que a segunda linha a contar de baixo tem as letras "dfghjkl" por ordem (quase) alfabética porque era a linha única original de onde ele tirou as restantes letras, enquanto que a terceira linha ("qwertyuiop") tem exactamente as letras necessárias para que um vendedor pudesse facil e rapidamente escrever "typewriter" para impressionar os seus clientes com a facilidade e velocidade de uso.

A segunda versão da história não é menos irónica e curiosa que a primeira: segundo as teorias contemporâneas sobre ergonomia uma das principais formas de maximizar a cadência de escrita é precisamente fazer com que as mãos escrevam o mais alternadamente possível, de forma a que enquanto um dedo de uma mão bate numa tecla, um dedo da outra mão esteja já a deslocar-se para a letra seguinte. Assim sendo, o facto de Sholes afastar os tipos - e consequentemente as letras - de forma a optimizar o funcionamento da máquina, acabou por inadvertidamente optimizar a utilização das mãos da pessoa que a utiliza.

Bem - o tempo foi passando, as máquinas de escrever foram-se espalhando pelo mundo e alguns países começam a perceber que o que é verdade nos estados unidos pode não ser verdade noutros lados. Sim senhora o QWERTY é muito bom, mas em Francês ou Português a frequência e utilização das letras é diferente e portanto há espaço para melhorar o teclado. Juntando a esta oportunidade de melhoria alguns sentimentos nacionalistas alguns países decidiram-se então a criar os seus próprios teclados numa tentativa de repelir os teclados anglo-saxónicos. É assim que surge o AZERT em frança ou o nosso esquecido HCESAR do tempo do antigo regime.
Mais tarde os sentimentos nacionalistas foram ultrapassados pelos raciocínios económicos. Numa época em que começam a aparecer os computadores os estados unidos começam a exportar hardware em maior quantidade, forçando os teclados QWERTY ao resto do mundo. Com apenas algumas localizações para caracteres inexistentes em inglês, os países acabam por (ter que) aceitar as vantagens da normalização e o QWERTY acaba por dominar.

Eu acho que se esta história acabasse aqui já seria algo que valeria a pena pôr num blog, mas ainda existem umas convoluções que merecem ser contadas (e pensadas)

(continua no próximo post)

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